São Paulo – Na manhã da terça-feira, 19, a diretoria da General Motors deverá anunciar seu novo ciclo de investimento para o País no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo – o governador do Estado, João Dória, estará presente na ocasião, assim como Barry Engle, vice-presidente executivo e presidente da GM Americas e Carlos Zarlenga, presidente da GM América do Sul.
Personalidade do Ano no Prêmio AutoData 2018 Zarlenga contou em entrevista exclusiva à AutoData – primeira publicação especializada do setor automotivo a conversar com o executivo em 2019 – como foi a negociação com todas as partes envolvidas para tirar o investimento do papel.
O presidente da GM chocou a comunidade automotiva ao expor as dificuldades da operação da GM no País. Em comunicado ele convocou funcionários, fornecedores, concessionários e até o governo a darem contribuição para tornar viável um novo ciclo de investimentos e o futuro da companhia por aqui.
“Depois do aumento de vendas os resultados financeiros não estavam voltando por várias razões. E quando você tem períodos tão longos de prejuízos a pergunta que surge é: por que vamos continuar a investir?”
Confira os principais trechos dessa conversa, realizada antes de bater o martelo com a matriz pelos novos investimentos, com o publisher Márcio Stéfani e o diretor de redação Leandro Alves que está na edição 353 da revista AutoData. A edição digital de março já está na integra e pode ser lida gratuitamente aqui.
O diagnóstico partiu da matriz, que deu como missão resolver os problemas, ou o senhor apresentou para seus chefes um plano para reverter essa situação?
A GM é muito disciplinada na forma como decide investimentos em todo o mundo. Para a liderança no Mercosul estava evidente que se não tivéssemos boas razões para continuar investindo aqui seria difícil obter o aval da matriz. Assim tivemos que encarar os desafios para tornar viável um novo ciclo no País e dessa vez decidimos expor todos os problemas aos nossos parceiros para que fizéssemos isso juntos. O objetivo foi encontrar uma equação para que, no fim das contas, o investimento remunerasse o capital.
O resultado das conversas foi positivo?
Muito. Tivemos grandes progressos. E aí gostaria de destacar alguns pontos. Sempre soube que os concessionários estariam com a gente. E foi o que aconteceu: eles compreenderam a situação e nos apoiaram. Com os sindicatos o que eu vi durante as conversas foi um amadurecimento muito grande. Foi uma relação transparente e honesta. Compartilhamos nossos pontos, eles também colocaram as questões deles e rapidamente chegamos a um entendimento. Fiquei surpreso com a resposta dos fornecedores.
Tivemos uma reunião com CEOs de 67 fornecedores. E percebemos que todos nós temos problemas muito similares. Aliás, muitos saíram daqui pensando em fazer o mesmo nas suas empresas.
Essas negociações serão suficientes para garantir os investimentos no Brasil?
Vejo progresso em todas as áreas e estou confiante. Este é o plano. Em sendo bem- sucedidas as negociações a GM fará o investimento, R$ 10 bilhões até 2024.
Inclusive as conversas com o governo do Estado de São Paulo foram produtivas?
Também estamos avançando e estou confiante em que tenhamos um desfecho positivo. Dentre todas as negociações a mais difícil é com os fornecedores, pois estamos falando com muitas empresas ao mesmo tempo.
Há alguma possibilidade de retrocesso ?
Acredito que não. Todos entenderam uma coisa muito importante. Entrando num acordo você realmente converte uma relação que é boa em uma parceria de longo prazo. Nesse acordo sobre o qual estamos trabalhando falamos em manter o preço fixo por um longo tempo e vamos trabalhar forte para gerar eficiência em conjunto. Imagine, então, o relacionamento com a gente. É sensacional. Acabou a fricção nas negociações. E ele [fornecedor] acabou adquirindo um tíquete para propor mudanças como substituição de peças, troca de materiais ou qualquer outro exemplo que gere eficiência.
Com relação às ineficiências do País: o que o senhor vem dizendo não é nenhuma novidade.
Um grande problema da lucratividade da indústria tem a ver com a exposição cambial do País. Para diminuir este risco, que é a mesma coisa que dizer que meus investimentos terão um retorno muito mais previsível e estável, eu preciso exportar. Exportar volumes relevantes. E aí haverá competição com outras fábricas no mundo. No cenário atual perdemos para todos. Para México, Coréia, Japão. Perdemos até para a Europa.
Mas não é o único entrave.
Outro grande problema é a pressão tributária, dentre outras ineficiências. Há, também, empresas abusando dos benefícios e que geram um custo enorme para a indústria. Isso não é novidade. Acreditamos que este momento é a melhor oportunidade que temos para discutir. O novo governo deseja uma abertura do mercado. Não só da indústria automotiva.
Um exemplo de abertura é o livre comércio com o México.
Esse é um caso que expõe as nossas ineficiências. Fabricar aqui ou lá e vender aqui tanto faz do ponto de vista do câmbio. Posso fazer um investimento só e exportar para o Brasil além de outros mercados, já que os custos no México são mais competitivos de 20% a 25%. Sem contar a questão tributária. Os produtos são os mesmos, a empresa é a mesma. Por que eu investiria no Brasil?
Mas parece ser inevitável uma política de abertura do País no curto prazo.
Se realmente é esse o projeto de País você precisa trabalhar a enorme ineficiência fiscal. Tem que começar por aí. E depois seguir ajustando a falta de competitividade. Porque do jeito que está não dá nem para abrir o mercado com o México.
E como fazer tudo isso?
Poderíamos iniciar com um programa exclusivo para exportadores. Criar condições para aqueles que exportam mais de 50% do volume ou do valor com arrecadação diferenciada. O que não pode é exportar carga tributária.
O senhor acredita que haveria oportunidade para empresas com esse perfil?
O custo da porta da fábrica para dentro não é muito diferente no Brasil diante do resto do mundo. Com um programa competitivo para exportadores isolaríamos o câmbio e teríamos uma indústria com escala e lucratividade sustentável. E estou me referindo a níveis globais de lucratividade.
Mesmo assim os problemas estruturais permaneceriam.
Entendemos que uma discussão ampla sobre todos os pontos que geram ineficiência na indústria é algo que não será colocada na pauta de uma hora para outra. Temos vários problemas domésticos e a carga tributária é um deles. Estamos dizendo que há uma oportunidade para atacarmos esses problemas e, se olharmos com o objetivo de incrementar a vocação exportadora, poderemos gerar muitos investimentos.
Qual seria o impacto de uma medida como essa?
Se temos 60%, 65% de custos em reais e o resto em dólar precisamos exportar esses 40% em valor para nos protegermos dos impactos do câmbio.
E tem que ser exportação extra-Mercosul, pois na região estamos trocando moeda que não alivia a pressão do câmbio. Quero reforçar que não estou vendo tudo isso como uma oportunidade para crescer. Estou encarando isso como uma oportunidade para definirmos a vocação da indústria brasileira.
Foto: Christian Castanho.
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