Em tempos obscuros na definição dos rumos da indústria automobilística brasileira, que convive com crise de desabastecimento de semicondutores desde o início da pandemia e ainda é vítima das baixas vendas de carros zero km, uma certeza paira sobre as linhas de montagem das principais montadoras do país: a necessidade de se estruturar cada vez mais com pilares factíveis de ESG.
O ESG, ou governança ambiental, social e corporativa em boa tradução, avalia o estágio de ações de uma corporação em prol de objetivos sociais que vão além do intento primordial de auferir bons resultados. O segmento de produção de automóveis já percebeu a necessidade de se inserir nas boas práticas desta política, contudo, talvez, ainda haja uma dificuldade em algumas ações que são imprescindíveis ao próprio negócio.
A reciclagem, por exemplo, ou mais do que isso, a economia circular, é tema que precisa ganhar cada vez mais ênfase no planejamento de qualquer montadora instalada no País. Isto porque a realidade já mostra que, hoje, de forma geral, os fabricantes de veículos ainda enxergam as empresas de coleta de resíduos e reciclagem como fornecedores apartados da cadeia logística de produção.
Infelizmente, ainda em uma visão obsoleta, estas empresas são vistas como simples “ferros velhos”. Isso além de obviamente não estar certo, impede que as próprias montadoras se beneficiem da economia circular gerada pelos principais atores do setor.
A redução drástica de recursos naturais do planeta, somada ao impacto das atividades econômicas sobre o meio ambiente e às mudanças climáticas, vem transformando cada vez mais a atuação das empresas e fortalecendo o conceito de economia circular em suas operações.
Segundo o economista Gesner Oliveira, da GO Associados, a geração de sucata metálica somente em 2020 foi de 9,7 milhões de toneladas na indústria siderúrgica brasileira, volume suficiente para produzir 8,8 milhões de carros de passeio. E boa parte disso foi perdida na condição de oportunidade para as montadoras. É estarrecedor!
“Em relação à sucata de aço, um estudo da EPA (Environmental Protect Agency), nos Estados Unidos, estima que a reciclagem de uma tonelada deste material gera a economia de 1.115 kg de minério de ferro, 625 kg de carvão e 53 kg de calcário. Cada tonelada de aço obtida por fornos elétricos, que utiliza as sucatas, consome 1.700 kWh a menos do que em altos-fornos”, exemplifica.
O conceito de economia circular baseia-se na adoção de um novo olhar sobre a forma de produzir e comercializar produtos. O objetivo é alcançar a produção e o consumo responsáveis por meio do prolongamento da vida útil dos resíduos de matéria-prima fabricada pela indústria, seja por meio de reciclagem, reutilização ou reparação.
Até pelos volumes gigantescos de aço utilizados pela indústria automotiva, Gesner enxerga um potencial imenso de utilização desses recursos, inclusive na logística reversa promovida pelo reaproveitamento de resíduos da própria montadora.
Mas adverte: “é fundamental que se escolha com seriedade os parceiros logísticos desse processo, visto que a responsabilidade dessas empresas de reciclagem quanto à destinação desses resíduos requer um controle absoluto do que é feito com cada material. E não se pode esquecer nunca que qualquer tipo de ação errada vai refletir diretamente na imagem da própria montadora”.
Exemplo de empresa nessa condição é a Trufer que, com 60 anos de atuação, surgiu praticamente junto com a indústria automobilística brasileira e é líder do segmento no País. De acordo com Márcio Trujillo, CEO da companhia, a inserção de empresas de seu segmento no rol de “compras improdutivas” é o primeiro erro fazendo com que se despreze os benefícios da economia circular nas próprias montadoras.
“Os fabricantes de automóveis estão, em sua maioria, comprando somente ‘preço’ hoje. Ou seja, uma empresa como a nossa, que possui serviços de coleta, processamento e, principalmente, destinação documentada de 100% dos resíduos de ferro e aço, é contratada sob as mesmas condições de um ferro-velho de bairro, que retira os materiais da ponta da linha de montagem e não possui estrutura adequada para mapear todo o caminho que esses resíduos percorrerão dali em diante. Isso não é ESG”, desabafa.
Com filosofia arrojada, constantes investimentos em tecnologia e equipamentos de última geração, a Trufer recicla dezenas de milhares de toneladas de materiais mensalmente, com rigoroso controle de qualidade. Altamente equipada, com frota 100% própria, e seguindo rigores internacionais de governança e operação, a Trufer possui sete unidades posicionadas estrategicamente junto aos principais polos automotivos do País.
O saldo de toda essa operação pode ser utilizado como matéria-prima para a fabricação de novos produtos. “Isso engrandeceria as montadoras. E está pronto. É só aplicar. A economia circular não é movida apenas pela reciclagem, e sim por conceitos de regeneração e restauração, que exprimem a verdadeira alma dos pilares de ESG”, opina.
A julgar pela recuperação econômica do Brasil que deve, paulatinamente, impulsionar o mercado automotivo aos patamares de uma década atrás, acima de 4 milhões de unidades anuais, quem fizer corretamente a lição de casa, será vanguarda e irá se destacar nesse “novo amanhã”. E essa lição terá sido escrita invariavelmente em um papel reciclado. Queira-se ou não.