São Paulo — As recentes declarações do Presidente Jair Bolsonaro sobre a saída da Ford do Brasil, de que "faltou à Ford dizer a verdade: querem subsídios. Vocês querem que continuemos dando R$ 20 bilhões para eles como fizemos nos últimos anos? Não! Perdeu a concorrência", devem ser consideradas, no mínimo, como absolutamente infelizes, para não dizer absurdas.
Antes de mais nada, é preciso lembrar que os tais “subsídios” são, em realidade, renúncia tributária, vez que as empresas primeiro investem e somente depois são compensadas de parte destes investimentos via redução de tributos.
No caso específico do Rota 2030, inclusive, que foi o último acordo negociado entre Governo e setor automotivo, estes tais “subsídios” se resumem ao retorno, via imposto de renda, de uma pequena parte dos investimentos feitos em P&D pelas montadoras, sistemistas e fabricantes de autopeças. A grande pergunta que precisa ser feita é: alguma empresa teve uma quantidade interessante de lucros nos últimos anos suficiente para compensar ou receber de volta parte dos investimentos que fizeram ou estão fazendo em desenvolvimento?
Em outra leitura, estes “subsídios” são, em última estância, uma forma do País compensar as empresas pela falta de competitividade que todos nós sabemos é provocada principalmente pelo chamado Custo Brasil, do qual faz parte a quantidade absurda de impostos que pagamos quando compramos um veículo no Brasil. A carga tributária brasileira, de mais de 30% é, disparada, a maior do mundo. Na maioria dos outros países gira em torno de 15% e na China, EUA e Japão são inferiores. Por coincidência, os três estão dentre os maiores mercados no mundo e cobram tributos abaixo de 10%.
Ou seja: estes "subsídios" citados pelo atual Presidente da República, referem-se a acordos feitos no Inovar Auto e no Rota 2030, que foram totalmente respeitados pelas montadoras e autopeças, que investiram muito mais que os alegados R$ 20 bilhões em modernização e desenvolvimento. Aos desinformados: somente VW, VWCO, GM, FCA e Renault investem, neste momento, mais de R$ 30 bilhões no Brasil para cumprirem o que acordaram.
Segundo o último dado disponível no anuário estatístico da Anfavea, somente em 2018, a arrecadação de tributos da indústria automotiva foi de R$ 65 bilhões! Uma projeção considerando os dois últimos anos que não constam nas estatísticas, periga ultrapassar R$ 250 bilhões o valor arrecadado pela união. Justamente no mesmo período em que foram gastos os R$ 20 bilhões citados.
Ainda tratando de Custo Brasil e política tributária, outro aspecto que deve ser observado com muito cuidado refere-se ao fato de que, talvez ainda como reflexo dos problemas enfrentados pela falta de competitividade no Brasil, no ano passado o mercado brasileiro de veículos novos foi de somente pouco mais de 2 milhões de unidades. No mesmo período, as vendas de usados ultrapassaram 10 milhões de unidades. E boa parte disso foram veículos seminovos adquiridos principalmente por consumidores que não conseguem mais ter acesso aos zero quilômetro.
Questionado no último Congresso AutoData Perspectivas, realizado em outubro, sobre como seria o comportamento do mercado se tivéssemos por aqui uma política tributária justa e parecida com a que existe no resto do mundo, Rodnei Bernardino de Souza, diretor da área de veículos do Banco Itaú, respondeu sem pensar: “boa parte destas vendas de seminovos migrariam para os novos e venderíamos algo como 7 milhões de veículos por ano”. Ou seja: o Brasil seria o terceiro ou quarto maior mercado do mundo. Dá pra imaginar quais seriam os reflexos disto para o Brasil em termos de desenvolvimento, geração de empregos, riqueza etc?
Estamos colocando fatos na mesa! Talvez seja melhor começarmos a pensar com urgência sobre quem, na verdade, está perdendo a tal concorrência. Ou assumirmos definitivamente que vamos nos transformar numa república produtora e exportadora de bananas no futuro. Nada contra os agricultores, é lógico….
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