Neste 2021 a indústria automotiva brasileira completa um século da inauguração da primeira fábrica de automóveis instalada em território nacional digna desta denominação: a da Ford na rua Sólon, no bairro do Bom Retiro, no Centro de São Paulo.
Sim: é verdade que a Ford chegou ao Brasil em 1919 e desde então já montava seus hoje modelos clássicos que chegavam completos, mas desmontados, dos Estados Unidos. Os dois primeiros endereços da fabricante, porém, ficavam em imóveis já existentes e que foram ajambrados para essa finalidade: o primeiro, na rua Florêncio de Abreu, aproveitando a proximidade com a Estação da Luz, aonde chegavam os T encaixotados, era, pasme, um sobrado de 70 m2. Em busca de mais espaço no ano seguinte a empresa se mudou para a Praça da República, ocupando o que fora antes uma pista de patinação, a Skating Palace.
Logo ficou óbvio que ali o espaço também não era suficiente, tampouco adequado, e a Ford deu o passo mais sério, adquirindo um enorme terreno de 7 mil m2 na rua Sólon número 2, que se estendia desde a esquina do Viaduto Engenheiro Orlando Murgel até a rua Visconde de Taunay, beirando a linha férrea da São Paulo Railway, que entregaria os carros desmontados vindos dos Estados Unidos via porto de Santos.
O projeto arquitetônico da fábrica ficou a cargo do alemão Albert Kahn, residente em Detroit, Michigan, desde os 10 anos de idade. De acordo com Manuela Catafesta, arquiteta e doutora em ciências na área de história e fundamentos da arquitetura e urbanismo pela USP, “o edifício da Ford Motor Company no Brasil foi a primeira fábrica a utilizar concreto armado e grandes planos de vidro, exibindo uma linguagem plástica moderna”, escreveu em artigo publicado na Revista Docomomo Brasil em 2019.
“Kahn, em parceria com Henry Ford, foi responsável pela nova concepção do edifício industrial, um espaço capaz de proporcionar a flexibilidade e segurança necessárias para a nova organização científica da produção, livre de qualquer linguagem arquitetônica historicista. Ao mesmo tempo em que Henry Ford era o precursor no desenvolvimento da técnica de produção de veículos [em série], Kahn foi pioneiro no uso do concreto armado, das estruturas de aço aparentes, da iluminação e ventilação natural por meio de grandes planos de vidro, tudo com o intuito de responder às necessidades funcionais da fábrica”, complementou.
O arquiteto foi, antes da fábrica da rua Sólon, também o responsável pelos projetos das fábricas da Ford de Highland Park e River Rouge, no condado de Wayne e em Dearborn, respectivamente, Michigan, as mais famosas da empresa no mundo, e ainda a fábrica de Buenos Aires, na Argentina, em 1919 – todas construídas dentro dos mesmos então modernos princípios. E, assim como nestas três ocasiões, para a fábrica de São Paulo Kahn teve como parceiro na construção e engenheiro responsável o estadunidense B. R. Brown.
Brown, em registros de memórias arquivadas pela matriz da Ford nos Estados Unidos, dos anos 50, afirmou que “o trabalho de Buenos Aires não foi fácil, mas também não foi difícil. Eu tive mais problemas em São Paulo, para construir aquela fábrica. Nesse caso contratei o empreiteiro com base em honorários ao invés de um contrato de preço fixo, porque tive de comprar o material e fornecer a ele. O cimento veio do Canadá, pois não havia disponível no Brasil. A madeira veio de Nova Orleans, para montar as formas da estrutura de concreto, e o aço estrutural veio da Europa”.
Para ler o restante da reportagem publicada na revista AutoData 376, de abril de 2021, clique aqui.