São Paulo – Flávio Ribeiro assumiu o cargo de chefe da Brigestone do Brasil em julho, respondendo a Fabio Fossen, presidente para a América Latina. O engenheiro formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo não atuava na indústria automotiva até 2021 e disse estar feliz com a oportunidade, durante sua primeira entrevista desde que assumiu o cargo, com exclusividade para a Agência AutoData.
Assim como todo o setor Ribeiro ainda vê muitas incertezas e volatilidade no mercado, que dificultam as projeções para o ano que vem. O cenário será de muitos desafios para as montadoras de veículos, que seguirão enfrentando dificuldades com semicondutores, e para as fabricantes de pneus, que possuem uma série de pontos de atenção como o dólar e a cadeia global de abastecimento.
Confira abaixo a entrevista completa de Flávio Ribeiro, responsável pela Bridgestone no Brasil:
Como foi a sua trajetória profissional até ser responsável pela operação da Bridgestone no Brasil?
Sou engenheiro mecânico de formação, formado na Poli USP, mas nunca trabalhei com isso diretamente. Comecei minha carreira na consultoria Accenture, meus primeiro projetos por lá foram na área comercial, indústria e varejo, segui nessa linha de projetos por seis anos.
Depois disso fui convidado pela Diageo para construir sua área de trade market, isso foi em 1999 e fiquei oito anos por lá, até ser convidado pela Hasbro para ser diretor de vendas. Fiquei nessa posição por alguns anos, depois tornei-me gerente para o País. Assumi a operação do Chile e do Peru e, depois, retornei ao Brasil para ser presidente da Hasbro. Isso foi em 2013, cargo em que fiquei até 2019. Após esse período atuei como consultor e como integrante do conselho de administração da Hasbro até que, no começo de 2021, a Bridgestone me chamou para um processo seletivo. Eu já estava participando de uns três ou quatro, mas o que deu certo foi aqui e estou muito feliz, foi um encontro bem legal.
Como a Bridgestone discute internamente a produção de veículos no Brasil em 2022? Quais pontos positivos e negativos estão sendo monitorados?
Por meio da Anip temos conversas frequentes com a Anfavea sobre a projeção de produção de veículos no Brasil. Hoje temos um cenário muito incerto com relação a veículos e pneus, essa é a nossa opinião. Volatilidade muito forte no ambiente político, temos indicadores econômicos que saltam para cima e para baixo toda semana e ainda temos vários desafios nas cadeias globais de abastecimento e de logística. Cada segmento pode ter desempenho diferente dentro desse cenário, por isso consideramos ainda muito incerta a situação atual e nossa área de inteligência de mercado está recalculando todo mês os números para que seja possível ter uma leitura mais clara. Sabemos que até setembro a indústria estava se recuperando, de acordo com dados divulgados pela Anip, com crescimento de 19% ante 2020, mas ainda abaixo de 2019, período pré-pandemia, em torno de 3,4% abaixo. Então a indústria está se recuperando e talvez encerre o ano melhor do que como estamos vendo agora, mas 2022 ainda está muito incerto.
Além dessa volatilidade política para 2022 os semicondutores também são um ponto de atenção para a indústria?
Sim, pelos relatórios globais que vemos e os movimentos do mercado esse problema deverá continuar no ano que vem, reduzindo-se um pouco no segundo semestre. Mas ainda acho que essa dificuldade continuará fazendo parte do mercado no ano que vem.
E no caso da indústria de pneus: quais os principais desafios para o ano que vem?
Os desafios ainda estão muito incertos. Temos uma situação de dólar, da cadeia de abastecimento, então são vários desafios que estão no nosso radar. Estamos em um período de reportes globais e aprovação de orçamento para 2022, por isso não podemos divulgar nossas projeções para o ano que vem: temos que retomar essa conversa mais para frente. Assim que aprovarmos com a matriz os investimentos para 2022 poderemos comentar as perspectivas internas para o mercado brasileiro. Mas é importante notar que a Bridgestone segue apostando no Brasil, pois anunciamos investimento de R$ 750 milhões para expansão da fábrica de Camaçari, na Bahia, os investimentos continuam e, independente do ambiente e das incertezas, seguimos investindo no Brasil.
Como está a aplicação do investimento de R$ 750 milhões que foi anunciado?
Já temos a expansão de maquinário começando a acontecer com as compras e com a expansão do prédio, e em breve começaremos a contratar as equipes para realizar os treinamentos. A ideia é que a gente comece a utilizar esse aumento de expansão a partir do ano que vem. Estamos trabalhando para que ela comece a operar em 2022.
Como está o processo de contratação dos funcionários anunciado junto com o investimento?
Está em andamento, parte dessas vagas são temporárias e outras fixas, sendo que algumas delas já estão ocupadas. Seguimos com o plano de expandir o quadro de funcionários conforme a expansão da fábrica avançar.
E os investimentos futuros: já estão em discussão com a matriz?
Ainda não podemos comentar esse assunto porque são informações estratégicas, mas a Bridgestone mantém investimentos contínuos. Nos últimos oito anos investimos mais de R$ 1,5 bilhão na modernização, em expansão de capacidade, na produtividade e nos cuidados gerais com o meio ambiente na fábrica de Santo André. E anunciamos o investimento para Camaçari: são sinais de que o Brasil continua importante para a Bridgestone e que a gente segue investindo em Santo André.
Em Santo André a empresa produz os pneus de carga e o segmento pesado tem reclamado da dificuldade em receber os pneus. Como está essa situação na Bridgestone?
Em Santo André produzimos para caminhões, para veículos de passageiro, agrícolas e fora de estrada, atendemos a quatro segmentos. Na Anip a gente sabe que a indústria brasileira tem capacidade para atender à demanda, tanto para o canal original quanto para reposição, nas conversas internas sabemos que é possível atender. Com cada cliente temos uma relação e um tipo de contrato, é difícil falar de uma forma geral sobre as entregas, não há uma posição só, mas como um todo a Anip sabe e nós sabemos que temos capacidade para atender aos pedidos. O que acontece, também, é que a demanda oscila muito, mas estamos cumprindo nossos contratos. Temos anúncios de férias coletivas que depois não acontecem, a demanda ainda é muito incerta, estamos saindo de um período de pandemia, oferta e demanda estão se ajustando. Por isso ainda existe uma variação no mercado, são muitos tipos de relações comerciais, mas de uma forma geral estamos cumprindo nossos contratos.
E o cenário para o Brasil, de uma forma geral, nesse último trimestre e começo de 2022: qual a sua avaliação?
Como País e economia acho que a situação está melhorando, a vacinação está acontecendo e os indicadores de contágio e morte estão caindo, então é de se esperar que a economia retome no fim desse ano e em 2022. A expectativa inicial é a de que aconteça um crescimento econômico esse ano e no ano que vem também, mas por causa de todos os temas políticos e econômicos que temos o Brasil deverá crescer menos do que outros países emergentes e do que o mundo. Mas comparado com o último um ano e meio devemos ter uma situação econômica melhor.
O senhor assumiu a Bridgestone Brasil no ano em que ela foi responsável por divulgar o primeiro relatório de meio ambiente da América Latina. Quais foram os principais avanços?
O primeiro relatório traz dados da nossa operação em diversos países da região. Mostra os avanços que tivemos em 2020 ante 2019 e também mostra como estamos trabalhando para cumprir os desafios da agenda de desenvolvimento sustentável da ONU até 2030. Temos alguns destaques importantes no relatório que foram registrados aqui no Brasil, como terminar o ano passado com o aterro zero em nossas quatro unidades no País, pois no começo do ano ainda tínhamos algum volume de descarte. Isso é importante porque no próximo relatório a nossa operação sairá com 100% de reciclagem dos resíduos. Outro destaque é o trabalho junto com a Anip, que possui a Reciclanip, que retira do mercado no fim de sua vida útil o mesmo volume de pneus que são produzidos por suas associadas: é uma das maiores ações de sustentabilidade pós-consumo no Brasil que eu conheço. Reduzir o consumo de água também é meta importante, volume que caiu 23% na América Latina em 2020. No Brasil esse porcentual foi um pouco maior, em torno de 24%. É um número muito importante, trata-se de 755 mil litros economizados no ano. Conseguimos isso a partir de várias iniciativas como água de reuso, estações de tratamento de efluentes e tecnologia avançada de limpeza de peça para preservar recursos hídricos. Também procuramos conscientizar nossos colaboradores a os moradores da região em que temos operação no Brasil para reduzir o consumo de água. Em Mafra conseguimos reduzir em 20% o consumo só a partir desse trabalho. Outro ponto relevante que está no relatório é a parte de energia e emissões: na América Latina conseguimos reduzir quase 30% as emissões alcance um e dois e reduzimos o consumo de energia em torno de 20% por meio de iniciativas de controle de emissão, automatização de processos nos quais as máquinas param de funcionar ou se ajustam à demanda de produção para evitar usar energia sem precisar, aproveitamento de luz natural e outras iniciativas. Esse trabalho todo faz parte do nosso dia a dia, temos discussões diárias sobre ações que podemos implementar para atingir nossas metas e ajudar o meio ambiente, com apoio total da operação global, que sempre aprova os investimentos que são propostos para esse segmento.
E quais são as metas para os próximos anos?
Temos metas globais da Bridgestone, chamamos de Marco 2030, faz parte da refundação da empresa, que aconteceu em 2020, chamada de Bridgestone 3.0, que reforça nosso compromisso de atender à sociedade com qualidade superior. É uma visão nossa para o futuro. Queremos ser uma empresa de soluções sustentáveis até 2050, com sustentabilidade e economia circular no centro da nossa estratégia, seguindo em linha com a agenda 2030 da ONU. Esse marco 2030 faz parte das metas e dos princípios que temos de preservar recursos naturais, trabalhar em harmonia com a natureza, reduzir a emissão de CO2. Nesse cenário temos alguns metas já traçadas: aumentar para 40% o uso de materiais reciclados e renováveis até 2030, cada região e cada país conforme a sua situação atual traça seus objetivos para os próximos anos. Também temos planos de gestão de água para operações que estão localizada em área de estresse hídrico, então teremos várias iniciativas para reduzir o consumo de água. As emissões de CO2, de alcance um e dois, queremos reduzir em 50% até 2030 usando como base o ano de 2011 e também buscamos mais tecnologia para entregar produtos com maior vida longa e que entreguem menor consumo de combustível. Depois de tudo isso também há a Bandag, que produz bandas de rodagem, que já evitou desde a sua fundação que mais de 300 milhões de pneus fossem descartados na natureza, através da recapagem, e também evitou o consumo de milhões de toneladas de petróleo, que a gente evitou usar, e isso se conecta com o trabalho que temos com a Anip, porque o pneu é retirado de forma correta quando não pode ser mais recapado.
Fotos: Divulgação.