São Paulo – Se ao longo de 2021 as empresas fabricantes de caminhões e ônibus surfaram onda diferente do restante do setor devido à pujante demanda pelos pesados, na virada do ano, diante da persistência da escassez de semicondutores – problema que até então parecia não afetar tanto as linhas de produção dessas empresas –, o sinal de alerta foi aceso. Mas, mesmo tendo de lidar com relativa demora na entrega por causa de veículos inacabados pela falta de componentes, as companhias seguem otimistas com o que o futuro próximo reserva a elas e avaliam, juntas, que o pior já passou.
Durante o segundo dia do Seminário Megatendências 2022, realizado de forma on-line pela AutoData Editora até quarta-feira, dia 16, Roberto Leoncini, vice-presidente de vendas e marketing de caminhões e ônibus da Mercedes-Benz, e Ricardo Alouche, vice-presidente de vendas, marketing e serviços da Volkswagen Caminhões e Ônibus, convergiram suas opiniões com relação aos percalços postos para este ano, mas avaliaram que o saldo será positivo e que o setor emplacará no mercado doméstico 140 mil caminhões, 17 mil ônibus e exportará 29 mil veículos, em linha com a Anfavea.
“O que vende caminhão é PIB”, garantiu Alouche. E ao realizar cesta de projeções com base nas divulgações de mercado, disse acreditar em expansão de até 1% na economia em 2022:
“Embora, na média, o crescimento não seja expressivo, setores como agricultura, logística e distribuição devem continuar aquecidos e, portanto, o nosso negócio também. Temos problema com os fertilizantes? Sim. Mas o que possuímos acredito seja suficiente para suportar as safras deste ano. E, portanto, seguimos otimistas”.
Ricardo Alouche
O executivo da VWCO ponderou que os gargalos enfrentados pela falta de componentes específicos da cadeia logística, a dificuldade da capacidade produtiva do segmento de pneus, a crise dos semicondutores e a guerra Rússia-Ucrânia, apesar de atrapalharem a retomada, deverão ter menos impacto do que todos os problemas lidados em 2021, aos quais os já citados se somaram a desastres como enchentes na Alemanha, incêndios em fábricas de chips, navio encalhado no Canal de Suez e lockdowns devido ao surgimento da variante ômicron da covid-19.
Todo esse cenário, entretanto, contextualizado aos desafios locais, como dólar, juros e inflação em alta, e às incertezas inerentes a um ano eleitoral, embute algo irreversível: aumento de custos. O que já vem ocorrendo nos últimos dezoito meses e, segundo os dirigentes, não foi repassado integralmente – e nem será, por ora, pois os clientes não conseguiriam absorver esses incrementos e isso poderia trazer efeito oposto ao desejado, ainda que esteja saindo do forno medida do governo federal, até o fim do mês, visando à renovação da frota de caminhões.
Diante dos inevitáveis baixos estoques, uma vez que a produção basicamente tem ocorrido para atender pedidos já faturados, a mudança da motorização dos caminhões com a entrada do Euro 6 a partir de janeiro de 2023 trará situação diferente da vivida em 2012, quando entrou em vigor o Euro 5. Leoncini lembrou que, à época, havia muitas dúvidas em torno do Arla: o que era, para que servia?
“Agora teremos uma transição mais tranquila. Até porque também como na Europa o Euro 6 já vigora, trazemos essa experiência. Por outro lado, embora o espaço entre demanda e capacidade de produção venha diminuindo, temos a falta de componentes, o que é angustiante. Não veremos nada semelhante como na mudança para o Euro 5, quando algumas montadoras tinham 4 mil ou 5 mil veículos prontos. Não há componentes para isso.”
Roberto Leoncini
Alouche complementou: “Nós estamos operando no limite e indo além do limite com alguns dos nossos fornecedores. Então não tenham a ilusão de que a indústria vai chegar no fim do ano com estoque, fazendo leilão, dando descontos para vender e aproveitar a chegada do Euro 6. Não haverá a ruptura que aconteceu em 2012, porque a indústria não terá capacidade para fazer estoque regulador”.
Os novos modelos deverão custar de 25% a 30% mais, segundo calculam os executivos.
Crédito às empresas de ônibus é pedra no sapato — Preocupação compartilhada pelos dois executivos refere-se à qualidade e à disponibilidade de crédito para que as empresas de ônibus possam adquirir veículos 0 KM, observou Leoncini: “Não há novos entrantes como vemos com caminhões. É totalmente diferente, e isso pode gerar problemas na renovação de frota”.
Alouche recordou que este é outro gargalo, além da queda na produção vista em fevereiro, apesar do saldo positivo no primeiro bimestre, o que traz preocupação adicional: “Trata-se de empresários que estão no ramo há décadas e alguns deles precisam renovar sua frota este ano. Mas as incertezas do cenário e as dificuldades financeiras trazidas pela restrição do volume de circulação de pessoas deixaram a situação mais complicada”.