São Paulo – Para que o mercado doméstico consiga cumprir com a meta projetada pela Anfavea de vender 2 milhões 140 mil veículos 0 KM ao longo deste ano, o presidente Márcio de Lima Leite avalia que 70% da reação depende da normalização do fornecimento de componentes, principalmente semicondutores, e 30% de melhores condições de juros e financiamentos. O executivo garante que existe, sim, demanda reprimida, mas para que esses interessados possam materializar a intenção de compra é preciso, além de produto disponível, condições que facilitem sua aquisição.
De janeiro a julho 42% dos emplacamentos foram gerados a partir de vendas diretas, porcentual que atingiu 50% em julho. Com o aumento da participação de frotistas, que não dependem tanto do crédito como o cliente pessoa física, a fatia de pagamentos à vista tem crescido substancialmente e, hoje, responde por 65% dos negócios, enquanto que as parceladas são 35%. Em 2020 os financiamentos predominavam com 80% das operações.
“À medida que as vendas a prazo caem o volume à vista ganha mais destaque. O que não significa maior número de vendas. Esses dados mostram que o cenário de maior restrição ao crédito, juros elevados e a menor adesão à compra a prazo estão tirando o consumidor do mercado, principalmente o da classe média, que precisa do financiamento para trocar de carro.”
Os juros, que estão batendo na casa dos 30% ao ano, também surgem como empecilho para outra questão: o avanço da descarbonização. Pois, diante da dificuldade em obter um 0 KM, com melhor eficiência energética, o consumidor segue optando pelos usados.
Na avaliação do coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero, este movimento deverá continuar até o fim do ano. Na semana passada o Banco Central elevou mais uma vez a taxa básica de juros, aos 13,75% ao ano, visando a combater inflação que acumula 11,89% nos doze meses terminados em junho.
“Não vejo possibilidade de redução da Selic no curto prazo. O Banco Central ficou sozinho para combater a inflação, que continua persistentemente alta. E não é só o núcleo de inflação que está preocupando. Existe um índice de espraiamento para outros preços que tem mostrado resistência. Por isso existe a possibilidade de o Copom aumentar a taxa mais uma vez, chegando a 14% ao ano. Se a inflação se comportar muito bem lá para o fim de 2023 os juros podem começar a baixar.”
Balistiero citou o comprometimento do ambiente fiscal do governo, ao extrapolar o teto de gastos por causa de medidas eleitoreiras, exemplificou, como a ampliação do auxílio emergencial até dezembro, o que bagunçou o meio de campo:
“[O ministro da Economia] Paulo Guedes falou em teto de gastos retrátil, em estourar o teto com responsabilidade. Trata-se do pior discurso que pode ocorrer vindo de um ministro da Economia. Ou seja: sem o fiscal como âncora para a inflação só sobrou o monetário. Então é com o Banco Central: a única arma que restou para segurar a disparada de preços”.
O especialista ponderou que a única exceção se dará se houver, por parte dos candidatos à Presidência da República, o compromisso de manter o fiscal mais consistente, o que oferecerá previsibilidade aos agentes fiscais e permitirá ao Banco Central que baixe os juros.
Redução tributária – O presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, contou que se reuniu com o governo nas últimas semanas para pleitear a redução do IOF nas operações financeiras do setor automotivo. De acordo com o executivo quem compra um veículo paga três vezes o imposto, cobrado na venda das montadoras para as concessionárias, das concessionárias para os consumidores e na hora de contratar o seguro.
“O governo arrecada, por mês, em torno de R$ 100 milhões com a venda de veículos novos para o consumidor. Com a transação da montadora para a concessionária são mais uns R$ 50 milhões e, com os seguros, outros R$ 50 milhões. Ou seja, mensalmente se tem algo em torno de R$ 200 milhões. Dependendo de qual parcela do IOF fosse reduzida, seria possível reverter ao consumidor entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões.”
Márcio de Lima Leite
O economista Ricardo Balistiero, por sua vez, não enxerga nenhuma perspectiva de diminuição de tributo neste momento, em que, pontuou, o governo está antecipando dividendos de estatais para tentar fechar as contas: “Não vejo redução do IOF nesse cenário nem que haja uma pressão muito grande. Isso não deverá ocorrer nos próximos meses”.
Até o momento a União não sinalizou quanto ao pedido da entidade. No fim de julho esticou a redução do IPI para automóveis de passeio, que estavam com um desconto menor, de 18,5% para 24,75%. Na prática, porém, o novo abatimento corresponde a 0,7%, na média, do preço final do veículo. Ou seja, um carro de R$ 100 mil terá um abatimento de R$ 700.
Melhora, mas não resolve a questão do crédito, que é, junto com a inflação, o maior desafio da indústria e do País. Até mesmo outra possibilidade aventada no Congresso, de acelerar aprovação de lei que permite a retomada do bem em caso de inadimplência, o que diminuiria o spread bancário, não é o caminho, acredita Balistiero:
“Não vejo retomada do setor 0 KM por enquanto. Continuaremos, pelo menos até a posse do novo presidente, ainda muito envolvidos com a redução do financiamento para carros novos e com a continuidade da valorização dos usados. Essa é uma perspectiva mais sólida, considerando os cenários macroeconômico e eleitoral, que deve ser bastante conturbado nos próximos meses”.
Ricardo Balistiero