São Paulo – É algo cultural: uma das maiores dificuldades das filiais de empresas multinacionais é tratar de explicar a suas matrizes o funcionamento do sistema tributário brasileiro, apelidado de manicômio tributário, dada a sua complexidade. Diante disto a primeira expectativa das empresas do setor automotivo, à espera da realização de reforma tributária por parte do governo, é a simplificação dos impostos. A redução da carga, por sua vez, deverá ficar para um segundo momento.
Foi o que avaliaram, uníssono, Liliane Salcedo de Souza Goya, gerente de planejamento da Schaeffler, e Paulo Márcio de Paiva, vice-presidente de estratégia de produtos da Becomex, durante o primeiro dia do Seminário Megatendências 2023 O Novo Brasil, realizado de forma online até a sexta-feira, 24, pela AutoData Editora.
Goya ressaltou que, pelo lado das indústrias, é muito difícil explicar o caos tributário às matrizes e que, portanto, é urgente a simplificação para o cumprimento das normas: “Além do alto custo dos impostos essa complexidade em excesso embute desembolso muito elevado para manter departamentos tributários, assim como aumento de insegurança nas empresas”.
A gerente da Schaeffler complementou que isto reflete de forma negativa na competitividade, pois, comparativamente a outros países, principalmente os da América Latina, o número de contenciosos tributários vinculados à complexidade e à duplicidade de informações faz com que monitorar essa quantidade de informações exija esforço e custo adicionais no Brasil.
“Espera-se que a simplificação da sistemática como um todo traga, também, melhor equalização de serviços e indústria porque, como sabemos, o setor paga preço mais elevado, principalmente quando falamos sobre tributação de consumo. Pensando do ponto de vista industrial há a expectativa de balanceamento e eventual redução da carga. Mas não num primeiro momento: no longo prazo.”
Aumento da fiscalização nas empresas é parte do processo
Paiva ponderou, no entanto, que só haverá redução da carga tributária diante de uma contrapartida: “O governo não conseguirá abrir mão de arrecadação sem uma compensação. E a contrapartida em questão é a redução da sonegação. Porque é fato que hoje a carga tributária é alta porque muitas empresas que deveriam estar pagando seus impostos não os pagam. Então a dificuldade que se tem de controlar também se traduz em sonegação”.
Para o vice-presidente da Becomex a partir do momento que a fiscalização for ampliada e o sistema, simplificado, esse será o atalho para conquistar o aumento da competitividade, uma vez que a medida deverá estimular a industrialização e o incremento do PIB, o que trará, como consequência, maior recolhimento de impostos: “Este seria um cenário factível: aumentar a arrecadação não em cima de uma base menor e sim arrecadar menos em cima de uma base maior”.
Os especialistas mencionaram que uma das maiores críticas ao modelo atual é o fato de a tributação estar vocacionada ao consumo e não sobre a renda efetiva, o que além de dificultar os negócios acaba sendo injusto com as diferentes faixas salariais, até porque as mais penalizadas são as de menor valor.
Nesse contexto a criação de um imposto unificado seria outro ponto bastante positivo na reforma, embora ambos reconheçam a queda de braço a ser enfrentada com os estados, pois o consenso passa longe.
A novela dos créditos de ICMS
Outro mecanismo que, pelo sistema atual, gera dificuldade às filiais explicarem às suas matrizes as regras do jogo está nos créditos de ICMS. Com a reforma tributária a expectativa é a de que não haja mais essa cumulatividade que segura o uso do dinheiro gerado a partir das exportações, que converte o que iria para o pagamento de imposto em créditos.
Não raro os comandos globais de multinacionais deixam de programar maior injeção de recursos por causa da existência desses créditos, vistos como potenciais investimentos que poderiam ser aplicados nas operações brasileiras. E determinam que seus dirigentes locais cobrem esses valores do Estado.
“Dizemos que esse é o câncer tributário brasileiro. Muitas empresas têm seus negócios comprometidos pelo acúmulo de crédito, uma vez que se trata de um dinheiro ao qual elas têm direito mas que não podem usar porque está preso junto ao governo, que segue uma série de critérios de liberação. Isso também afeta a competitividade das empresas.”