Governo e Anfavea celebram medida como estímulo à produção nacional, mas ABVE acredita que ritmo de adesão à eletrificação será prejudicado
São Paulo – Assim que iniciar 2024 os veículos eletrificados importados voltarão a ser taxados para entrar no Brasil, com a retomada gradual da alíquota, que chegará a 35%, em 2026. O objetivo, de acordo com o Gecex-Camex, Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior, que aprovou a medida na sexta-feira, 10, é desenvolver a cadeia automotiva nacional, ao mesmo tempo em que se acelera o processo de descarbonização da frota.
Enquanto governo e Anfavea entendem a medida como benéfica ao setor, uma vez que a retomada das taxas poderão incentivar a produção local, na avaliação da ABVE, Associação Brasileira do Veículo Elétrico, a decisão é ruim e terá efeito contrário do almejado.
O vice-presidente e ministro do MDIC, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, avaliou que é preciso impulsionar a indústria nacional “em direção a todas as rotas tecnológicas que promovam a descarbonização com estímulo aos investimentos na produção, manutenção e criação de empregos de maior qualificação e melhores salários”.
Alckmin defendeu ainda que a transição do setor para a eletrificação é “realidade incontornável” e que a deliberação “representa real incentivo para que novas indústrias se instalem ou iniciem produção” local.
Para a Anfavea a determinação é vista como um grande avanço. “O longo período de isenção foi importante e suficiente para a introdução dessas tecnologias no Brasil, e o aumento gradual do imposto permitirá ainda a importação desses veículos sem grandes impactos nos próximos anos”.
Em nota, a entidade assinalou que o mais importante dessa medida é a sinalização de que a produção local de veículos eletrificados será uma grande realidade do ponto de vista da concorrência internacional.
“O objetivo expresso pelo governo e endossado pela Anfavea é garantir um horizonte de previsibilidade para tradicionais e para novos fabricantes, de modo a atrair investimentos em produção local de modelos híbridos e elétricos, tão importantes para a sustentabilidade do planeta.”
O presidente da ABVE, Ricardo Bastos, sustentou que o mais importante seria, antes de retomar a volta gradual de impostos sobre os importados, estabelecer regras de política nacional e publicar a segunda fase do Rota 2030, o Mobilidade Verde e Inovação – aguardado para o fim do mês passado mas que, até o momento, não teve pormenores anunciados.
“Isso sim permitiria discutir com as matrizes planos de investimento para o Brasil”, disse Bastos. “O governo saiu de forma atabalhoada e antecipou esse cronograma de retomada do imposto sem que tivesse um volume mínimo no mercado, principalmente de unidades plug-in, que estimulam a o estabelecimento de infraestrutura.”
Quanto às cotas, o dirigente estimou que sejam suficientes para trazer em torno de 15 mil unidades, sendo que o mercado hoje é de 80 mil unidades, com crescimento de 75% frente a 2022, e projeção estimada de incremento de 50% ano a ano.
De acordo com a determinação do Gecex-Camex as empresas terão até julho de 2026 para continuar trazendo veículos com isenção até determinadas cotas de valor. Igualmente haverá escalonamento, com a redução gradual das cifras.
Para híbridos, essas cotas serão de US$ 130 milhões até julho de 2024, US$ 97 milhões até julho de 2025 e US$ 43 milhões até julho de 2026. Híbridos plug-in terão US$ 226 milhões até julho do ano que vem, US$ 169 milhões até o ano seguinte e, por fim, US$ 75 milhões um ano depois. Aos elétricos os montantes serão, respectivamente, US$ 283 milhões, US$ 226 milhões e US$ 141 milhões. E, aos caminhões a bateria, US$ 20 milhões, US$ 13 milhões e US$ 6 milhões.
Ricardo Bastos, presidente da ABVE, espera que a sociedade reaja e sensibilize o governo
Para ABVE, medida deverá atrasar planos de produção local
Perguntado sobre o impacto no volume de veículos importados conforme o imposto for restituído, Bastos respondeu que ainda não é possível precisar, mas que haverá diminuição tanto na quantidade quanto no ritmo de crescimento. Ele arriscou que em 2024 as vendas continuarão acima das 80 mil unidades, mas cravou que a velocidade será prejudicada.
“Se ao menos o governo esperasse dois anos para elevar a alíquota aos 20%, mas já no ano que vem ela chegará nesse patamar”, assinalou, referindo-se ao fato de que, para carros híbridos, o porcentual será de 12% a partir de janeiro de 2024, que subirá para 25% em julho do mesmo ano, a 30% em julho de 2025 e, 35%, em julho de 2026. Híbridos plug-in começarão em 12% em janeiro e saltarão a 20% em julho. Um ano depois passará a 28%, em mais um ano, a 25%. Elétricos terão alíquota inicial de 10%, seis meses depois irão a 18%, um ano depois, 25% e, por fim, 35%.
Quanto aos automóveis elétricos para transporte de cargas ou caminhões elétricos o porcentual inicial será de 20%, mas a alíquota cheia, de 35%, já será aplicada em julho do ano que vem. A velocidade, neste caso, é diferente, pois há produção nacional suficiente.
Quanto aos preços, Bastos disse que cada empresa terá sua política, mas que inevitavelmente os valores serão ajustados. Devido ao custo, a estratégia de todos deverá ser revista, e modelos que as fabricantes planejavam trazer ao País poderão não vir mais.
É o que acontecerá com a GWM, empresa em que o dirigente ocupa a cadeira das relações governamentais. Segundo ele a montadora chinesa não desistirá da fábrica em Iracemápolis, SP, mas o ritmo de produção e de geração de empregos será impactado.
“Vamos rever volumes e modelos de veículos que viriam ao Brasil e, agora, poderão não vir mais. Isso porque primeiro trazemos ao País para ver se tem aceitação do consumidor para, como um passo seguinte, decidir pela fabricação local.”
Com a picape da marca Poer isso não aconteceria e o plano não muda, porque nunca foi pretendido importá-la primeiro. Mas, com a maioria dos modelos será assim. Por exemplo, com o Haval H6, candidato a ser fabricado no País. “O preço ainda será mantido este ano, mas, a partir de janeiro, teremos de mexer em algo. Seja nas condições de pagamento, nos juros zero ou nos bônus. Talvez o aumento não seja de 10%. É um caso para estudo.”
Em vez de quatro modelos a empresa produzirá dois, em um primeiro momento, postergando o início dos outros dois. E, se o plano era ter 50 mil unidades até 2026, agora pode ser que esse volume chegue em 2030.
Bastos analisou que, caso a reforma tributária seja aprovada com a manutenção dos incentivos às regiões Centro-Oeste e Nordeste, a distorção será ainda maior: “Por isso o melhor seria ter uma política nacional, com as mesmas regras para todos”.
Apesar do contexto, ele afirmou que a eletromobilidade irá continuar, que isto é um fato, mas o ritmo com que esse movimento se dará será alterado. “Agora queremos ver a resposta da sociedade quanto a isso, uma vez que, além da tecnologia, tem-se o impacto da descarbonização e da qualidade de vida. Quem sabe isso sensibilize o governo.”