São Paulo – A ascensão de Márcio de Lima Leite, da Stellantis, à presidência da Anfavea, em abril de 2022, pode ter sido a última neste formato que perdura desde a década de 1970. O que seria uma aclamação de chapa única encabeçada por executivo representante de alguma das empresas mais antigas na associação tende a passar para gestão profissionalizada, com o executivo responsável pela Anfavea sendo alguém totalmente desvinculado das montadoras.
Esta é a discussão que ocorre internamente neste momento para que a próxima gestão, prevista para assumir em abril de 2025, possa ser formada a partir de perfis profissionais nas posições executivas, cabendo a um conselho formado por representantes das montadoras escolher os profissionais, estabelecer salários e metas para esta nova organização.
A Agência AutoData ouviu, durante as últimas semanas, de quatro diferentes executivos na ativa, com trânsito na entidade que representa as fabricantes de veículos instaladas no Brasil, a clara intenção de mudar o modelo atual. O motivo alegado para a mudança é que, ao longo de várias gestões embates e desentendimentos sobre a agenda de atuação da Anfavea passaram a gerar desgastes internos. As razões são inúmeras e muitas delas, abordadas somente na sala de reuniões com enorme mesa e cadeiras para todos os vice-presidentes representantes das empresas, já foram sepultadas.
Trata-se, portanto, de uma hipótese, com grandes possibilidades de acontecer, mas que também pode não ser a solução adotada já na gestão 2025-2027. Caso não seja esta a decisão dos representantes das empresas associadas, haverá outro imbróglio a resolver: qual será a empresa que encabeçará a chapa única? Ou ainda mais complicado: haverá mais de uma composição almejando a presidência da Anfavea? Nesse caso, quais as regras para a realização de uma eleição com disputa?
Por isto a ideia da profissionalização é factível: resolveria muitos dos problemas que, segundo os executivos consultados, historicamente atrapalharam o imprescindível trabalho realizado pela Anfavea para a indústria automotiva nacional.
Consultorias ajudam na decisão
A personalização de uma empresa à frente da entidade é uma reclamação recorrente desde sempre. Em alguns momentos pode haver choques de interesse e a presença de um presidente executivo, sem ligação salarial com nenhuma companhia, reduziria possíveis questionamentos.
Outro problema que evoluiu ao longo do tempo: como os presidentes eleitos da Anfavea são vice-presidentes, diretores ou, raramente, presidentes de suas companhias, é preciso dividir a agenda com as questões particulares da montadora e as de todo o setor. Isso ocorreu sem maiores prejuízos durante muitos anos, porém em um mundo em constante transformação aumentou a exigência das empresas para que seus principais executivos estejam cada vez mais presentes.
Há outro fator, apontado com sabedoria por uma das fontes: desde Cledorvino Belini, que presidiu a Anfavea e a Fiat de 2010 a 2013, um presidente da associação não é o principal executivo da montadora. Além de demonstrar que a Anfavea não atua com os seus jogadores mais importantes, ou seja, os presidentes das montadoras, há outro tipo de conflito de interesse pois, em sua empresa, o presidente da Anfavea responde a um superior.
Segundo o presidente Márcio de Lima Leite uma consultoria foi contratada para ajudar no planejamento da gestão da entidade no futuro, com a participação de CEOs de montadoras. O projeto, disse ele, está na segunda fase, com o aconselhamento que segue na direção da profissionalização do gestor: “Quem nos apontará o caminho é a consultoria independente e os associados quem tomarão a decisão”.
O assunto está bem encaminhado, com aceitação por boa parte dos envolvidos. Mas é importante ressaltar que a decisão ainda não foi tomada e, inclusive, há outros caminhos a serem considerados.
Quem será o novo presidente?
Mesmo que informalmente, e sem nenhuma confirmação oficial da entidade, uma espécie de teste está sendo conduzido atualmente, de acordo com as fontes: Igor Calvet, que no passado trabalhou no governo e na ABDI, assumiu a função de diretor executivo – sucedendo a Aurélio Santana –, e sua atuação vem sendo monitorada já com vistas a ocupar uma eventual cadeira de presidente executivo. Trata-se de mais uma hipótese, mas não a única.
Outra ideia seria repetir na Anfavea estrutura semelhante à que existe no Instituto Aço Brasil: lá o presidente executivo é Marco Polo de Mello Lopes, contratado, e representantes das siderúrgicas compõem o Conselho Diretor. Este Conselho também elege um presidente das empresas associadas a cada dois anos – o atual é Jefferson de Paula, presidente da ArcelorMittal.
Os atuais vice-presidentes da Anfavea, portanto, integrariam este Conselho podendo, ou não, eleger um presidente a cada dois ou três anos. Caso um presidente seja eleito este seria o interlocutor do Conselho com a presidência executiva: as ações seriam validadas pelo Conselho e executadas pelo presidente contratado, ou em outra posição, como um diretor executivo já existente, mas com mais poderes e deveres.
É possível também que a Anfavea mantenha a diretoria executiva da forma como está e vá ao mercado contratar um presidente. Segundo relatos das fontes ouvidas pela reportagem foi ventilado que executivos do setor que deixaram suas posições nas empresas poderiam ser considerados para emprestar suas experiências em uma posição de liderança na entidade.
Retorno da unidade
Historicamente a presidência da Anfavea respeitou um rodízio para a aclamação do presidente estabelecido pelas suas associadas: Volkswagen, General Motors, Fiat, Ford e Mercedes-Benz se revezavam na liderança da entidade. O primeiro vice-presidente deste organograma seria, naturalmente, o presidente da próxima gestão.
Este rodízio, considerando as empresas já citadas, ocorreu sem mais questionamentos ao longo dos anos até que foi quebrado, em 2018, quando, após desentendimentos internos e a iminência de uma inédita disputa em duas chapas, promoveu-se o consenso naquela sala com a mesa enorme e as cadeiras para todos os executivos e seus assessores: Luiz Carlos Moraes, da Mercedes-Benz, de forma corajosa e agregadora, no sentido de manter a unidade na entidade, assumiu a presidência no ano seguinte.
O que se ouviu à época é que Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford, que seria a próxima empresa a ocupar a presidência, disputaria com uma chapa encabeçada por Ricardo Martins, da Hyundai. Golfarb abriu mão da vez da Ford em nome da unidade, com a concordância de Martins, levando Moraes ao posto.
O executivo da Mercedes-Benz foi sucedido por Lima Leite e diante de um momento de grande incerteza provocado pela atual conjuntura da indústria automotiva global, que passa pela transição energética, o papel e a representatividade de uma entidade com a relevância e tradição da Anfavea é de muita importância na construção do futuro da indústria no País.