São Paulo – O texto substitutivo da reforma tributária, apresentado na quinta-feira, 4, trouxe grande surpresa para boa parte da indústria automotiva nacional. Não foram as definições do IBS, Imposto sobre Bens e Serviços, nem a respeito da instituição do CBS, a Contribuição Social sobre Bens e Serviços. A bomba caiu no artigo 309, aumentando a renúncia fiscal para fabricantes de veículos com unidades instaladas na Região Nordeste.
O artigo 309 atualiza o texto original regulamentando que o crédito presumido será calculado mediante a aplicação dos seguintes porcentuais sobre o valor das vendas no mercado interno, fabricados ou montados nos estabelecimentos incentivados:
I – 14,50% até o 12º mês de fruição do benefício;
II – 11,60% do 13º ao 48º mês de fruição do benefício;
III – 8,70% do 49º ao 60º mês de fruição do benefício
Na primeira rodada das discussões sobre os incentivos às fabricantes instaladas no Nordeste houve reclamação generalizada, disputas ferrenhas de lobistas das montadoras no plenário do Congresso Nacional e até algo inusitado na história da indústria automotiva deste País: empresas com fábricas no Sul e no Sudeste publicando comunicados em conjunto na grande mídia arguindo que haveria um descompasso de competitividade produtiva por causa da continuidade dos incentivos concedidos para as fabricantes com operações no Nordeste e também no Centro-Oeste.
Uma fonte ouvida pela Agência AutoData de Notícias contou que para acalmar os reclamantes houve uma negociação que resultou nos valores publicados na primeira versão do texto do Projeto de Lei 68/2024 com os seguintes cálculos para o crédito presumido:
I – 8,70% nos anos de 2027 e 2028;
II – 6,96% no ano de 2029;
II – 5,22% no ano de 2030;
IV – 3,48% no ano de 2031;
V – 1,74% no ano de 2032.
Desta forma houve entendimento geral dos fabricantes nacionais de que, mesmo com incentivos à fabricação de veículos no Nordeste e Centro-Oeste estendido até 2032, o crédito presumido publicado na primeira versão da reforma tributária daria uma vantagem para os produtos feitos nestas regiões, mas seria possível sobreviver à ferrenha disputa do mercado nacional de veículos.
Porém, com a versão do substitutivo apresentada na semana passada houve uma correria até Brasília, DF, para entender dos deputados por que houve a mudança descrita pelo artigo 309. Executivos do alto escalão das empresas ouvidas por AutoData apresentaram diversos cálculos sobre o impacto do texto substitutivo.
A Stellantis, que possui uma fábrica em Goiana, PE, poderá, assim que aprovado o texto da reforma tributária como está, ter uma renúncia fiscal variando de R$ 1,5 bilhão até R$ 5,5 bilhões. Os cálculos são preliminares porque a mudança pegou a todos de surpresa. O impacto real ainda é desconhecido pois a matemática deve ser feita levando em conta o faturamento dos veículos feitos no Nordeste e, atualmente, além de produzir veículos de maior valor agregado em Goiana a Stellantis também vem elevando o volume produzido por lá. AutoData consultou a Stellantis a respeito deste e outros temas referentes ao texto da PL 68/2024, mas até o fechamento desta reportagem a fabricante não retornou o contato.
A BYD, que está construindo uma fábrica na Bahia, também poderá ter acesso a estes benefícios. Mas não imediatamente. Mesmo que a produção tenha início ainda este ano, ou em 2025, só poderá fazer os cálculos após um ano de produção para que haja um histórico do faturamento e dos créditos a serem presumidos a partir daí.
Mesmo assim, consultada, a BYD, por meio de Alexandre Baldy, seu vice-presidente sênior, disse que o texto substitutivo “não trouxe benefício a mais, é uma recomposição e interpretação que havia sido feito de forma incompleta, só houve ali uma atualização de acordo com o que seria o texto da reforma tributária”.
Tributaristas e consultores procurados por AutoData avaliaram que esta mudança na reta final da definição de um projeto de lei tão importante para o País, como o da reforma tributária, é temerária porque não permite que a matéria seja amplamente discutida.
Paulo Ianone, tributarista e sócio da consultoria CLA Brasil, ponderou que “quando há um aumento de renúncia fiscal tem que haver uma contrapartida prevendo como este valor será ressarcido”. Na prática será necessário equilibrar a arrecadação presumida pela reforma tributária aumentando a carga em algum outro setor para compensar os incentivos concedidos à produção automotiva no Nordeste.
Nesta quarta-feira, 10, houve a votação na Câmara dos Deputados do texto substitutivo da PL 68/2024. Até o fechamento desta reportagem ainda não havia terminado a votação, porém, a tendência é de que o texto será aprovado em sua íntegra.
Quem acompanha de perto este assunto acredita que o artigo 309 será alterado em algum momento. A expectativa dos lobistas das montadoras com produção no Sul-Sudeste é de que os fatores para o crédito presumido acabem sendo definidos em um meio-termo com os porcentuais do texto original e os do substitutivo.
De qualquer forma este é um capítulo negativo para a indústria automotiva nacional porque por um lado demonstra para a sociedade que algumas empresas trabalham apenas para obter ainda mais benefícios. E por outro fica evidente que não há uma atuação em unidade, com todas as empresas buscando o necessário apoio do Estado para melhorar a competitividade nacional frente à competição global.