Dois produtos já foram testados e homologados e estão sendo negociados com montadoras, a barra chata mola, usada na suspensão de comerciais leves e caminhões, e o perfil U, em chassis de ônibus
São Paulo – A ArcelorMittal está debruçada sobre o desenvolvimento de componentes feitos a partir de materiais reciclados, como a sucata, e utilizando apenas energia renovável certificada no processo. Dois produtos já estão homologados e em testes com montadoras, com produção regular em linha e prontos para ser comercializados em larga escala: a barra chata mola, que dá origem ao feixe de mola usado na suspensão de veículos comerciais leves e caminhões, e o perfil U para chassis de ônibus, com foco em modelos elétricos.
O objetivo, como afirmou Francieli Scatolin, gerente de desenvolvimento de produtos industriais e assistência técnica da ArcelorMittal, em entrevista à Agência AutoData, é passar a integrar a economia circular da indústria automotiva e contribuir para a descarbonização na cadeia.
“Como supridores desta cadeia temos de estar aptos a acompanhar os movimentos e atender aos requisitos de evolução tecnológica que a indústria automotiva, que costuma aderir com rapidez, vem solicitando. Neste sentido começamos a pensar na barra chata mola, pois somos grandes fornecedores do mercado de suspensão de veículos leves e pesados.”
Batizada como XCarb a iniciativa global teve início em 2021 e, no ano seguinte, foi trazida ao Brasil a partir da linha de vergalhões, hoje fornecida a toda a América Latina. No início de 2025 foi a vez de ingressar no setor automotivo a partir da barra chata mola: “Fizemos testes de composição química e também mecânicos, para assegurar que a mudança de processo que usa 100% de sucata, em vez do ferro gusa, insumo para a produção do aço, não impactaria na segurança do produto. Não tivemos nenhuma perda de qualidade”.
Em todo o mundo a ArcelorMittal reprocessa 30 milhões de toneladas de aço por ano, sendo 10% disto no Brasil. Scatolin contou que a companhia possui diversos postos de coleta em todo o País para que então seja a feita a triagem de aço usado em todo tipo de produto de linha branca, como geladeira e micro-ondas, veículos, resto de obras, vergalhões e maquinários.
“O aço possui uma vantagem: pode ser reciclado inúmeras vezes sem perder qualidade. É diferente de um polímero, que vai perdendo suas propriedades com o tempo”, disse a executiva. “Dentro da ArcelorMittal temos uma área de metálicos encarregada de coletar esses aços obsoletos que estão sem aplicação, rejeitos que estão poluindo o meio ambiente, para dar uma nova função a eles.”
Na usina de Resende, RJ, a partir de fornos elétricos movidos a eletricidade renovável, é dada origem a um novo aço, laminado na unidade de Barra Mansa, distante 50 quilômetros, de onde saem os produtos XCarb. Para tanto está sendo injetado R$ 1,3 bilhão para a ampliação do laminador a 500 mil toneladas por ano e melhorias na aciaria, cuja capacidade será dobrada.
O passo seguinte foi estabelecer parceria com a Aesa, que monta o feixe de mola e a suspensão dos caminhões que são entregues a fabricantes como Mercedes-Benz e Scania. Após a realização de testes de fadiga passou a oferecer o item à sua carteira de clientes. O mesmo está ocorrendo com a Fiat Strada, que também está testando o componente.
O processo de desenvolvimento pela equipe interna da ArcelorMittal e os testes com a Aesa estendeu-se por quase um ano. Agora a empresa está oferecendo diretamente a fabricantes de ônibus o perfil U para chassis.
Pensando além, e em como ajudar a descarbonizar a geração de eletricidade, a ArcelorMittal desenvolveu cantoneiras em perfil L para torres de transmissão de energia XCarb: “Sabemos que mudar um processo produtivo da indústria siderúrgica não é simples e requer grande investimento. E não só isso pois a mudança de tecnologia impactará a qualidade do produto e por isto existe todo um cuidado que demanda muita pesquisa. Estamos pensando em todas as variáveis que tornam esse material mais sustentável, não só nas emissões”.
O grupo já injetou, globalmente, € 300 milhões no desenvolvimento de tecnologias para diminuir as emissões. Scatolini sustentou que os produtos são customizados para que o cliente maximize potência, produtividade e recursos, além de minimizar perdas pois “tudo isto também é uma forma de reduzir a pegada de carbono.”
Se por um lado a reciclagem usa menos eletricidade e lança menor quantidade de carbono na atmosfera, uma vez que 1 tonelada de aço reciclado reduz o uso de energia em 70%, e as emissões caem em 1,5 tonelada, por outro o gasto com a produção é um pouco maior: “A sucata tem um custo, e a energia renovável também, mas não é nada exorbitante. O País é continental, o que exige grande capilaridade para a coleta. Ao mesmo tempo o produto compete com o mercado externo, muitos países têm escassez, e o preço é quase como o de uma commotidy. No fim a extração custa menos do que a reciclagem. Mas vale pelo comprometimento com a meta”.
O objetivo da siderúrgica é tornar-se carbono neutro até 2050, sendo que até 2030 trabalhará na adoção de alternativas energéticas para reduzir em 25% suas emissões: “Estamos abrindo novas frentes de homologação para lançar novos produtos. Agora estamos esperando a demanda. Capacidade nós temos”.