São Paulo – A importação de veículos usados – que no Brasil é permitida desde que os exemplares possuam mais de 30 anos e não ofereçam fins comerciais, caso de colecionadores, corpo diplomático e protótipos – tem sido alvo de debate no Congresso Nacional. O projeto de lei 237/2020, de autoria do deputado Marcel van Hattem, do Novo, sugere que seja liberada a importação de veículos leves e pesados usados, como caminhões de bombeiros e ambulâncias, de outros países. Entidades representantes do setor automotivo alertam, porém, que a medida afeta a segurança dos condutores, traz retrocesso nas questões ambientais e põe em risco a indústria nacional.
O presidente do Sindipeças, Dan Ioschpe, disse à Agência AutoData que a discussão sobre esse tema não parece fazer sentido em época como a atual: “Francamente, parece um pouco fora de hora e da ordem. Temos uma série de preocupações não só no Brasil mas na maior parte dos países, com questões de segurança, emissões, descarbonização, e nem estou entrando no quesito da defesa da indústria, do local de manufatura. Estaríamos aplicando duas medidas distintas e, pasme, daríamos tremenda importância a determinados aspectos sobre o que produzimos no Brasil e não daríamos com relação ao que decidimos importar para o País”.
Ioschpe ponderou que se trata, o automotivo, de setor extremamente importante para a economia nacional, não só em termos de geração de emprego mas também de valor gerado e de desenvolvimento tecnológico, e que a importação irrestrita poderia condenar a indústria nacional à estagnação, inclusive do ponto de vista tecnológico:
“Parece, até, que hoje o debate seria na visão contrária, porque nós ainda teremos um mercado de veículos movidos a combustão talvez ainda mais longo de que em outras geografias. `Podemos ser, portanto, uma alternativa do mundo com relação à propulsão por combustão, e inclusive aquela relacionada ao etanol, que pode ser um caminho muito importante na descarbonização”.
Em audiência pública da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados o diretor técnico da Anfavea, Henry Joseph Júnior, enfatizou a importância dessa indústria para a economia do País, com potencial de 5 milhões de unidades por ano, nono produtor mundial de veículos e detentor do sétimo maior mercado, que emprega direta e indiretamente 1,3 milhão de pessoas.
Segundo ele os veículos que circulam hoje no mercado brasileiro atendem a mais de cinquenta requisitos técnicos, número que pode chegar a setenta, dependendo da categoria. A partir deste ano e até 2026 serão atendidos dezessete novos requisitos técnicos de segurança veicular que foram recém-regulamentados. Até 2035 são esperados de sete a dez novos requisitos, ainda em fase de regulamentação, estudos e promulgação – muito deles ainda não são regulamentados no Exterior. Com isso o País se coloca em condições de segurança iguais às de países tidos como exemplo nesta área.
“Os veículos usados disponíveis para importação não atendem normas nos países de origem e são comercializados por preços bastante baixos a países que não dispõem de inspeção veicular. E na América Latina há nações assim. Exportação de lixo de países do primeiro mundo para países de segundo e terceiro mundo.”
Em linha com a análise, durante o 3º Congresso de Negócios da Indústria Automotiva Latino-Americana, realizado pela AutoData Editora, o presidente da Aladda, Associação Latino-Americana de Distribuidores de Veículos, Alejandro Saubidet, expôs que a importação de usados traz muitos problemas para o setor automotivo da região. Isso porque unidades novas competem com exemplares sem procedência, muitas vezes em péssimo estado de conservação, com componentes modificados e até descartados para uso em seu país de origem. México, Paraguai e Bolívia permitem a importação e até convertem a mão da direção. O Japão é o país que mais exporta usados, a partir de dois ou três anos de uso.
Preço – O diretor técnico da Anfavea considerou que o pequeno consumidor pode ficar interessado em veículo de baixo custo, mas que essas unidades não teriam assistência especializada, nem manutenção adequada e peças de reposição disponíveis. Em linhas gerais o proprietário não teria proteção adequada e ficaria em situação muito vulnerável.
“Quem garante que o veículo fabricado em outro país e já rodado consegue funcionar com gasolina com 27% de etanol no motor? Com 15% de biodiesel no diesel? Se o veículo não tiver o mínimo de preparo ele não consegue circular por aqui”.
Sem contar que, conforme Joseph Júnior, apesar de o valor do importado ser inferior ao do nacional o processo de internalização e os gastos com logística, tratados por empresas especializadas, encareceriam o processo.
O autor do PL, deputado Marcel van Hattem, disse acreditar, durante a audiência, que, embora o tema pareça improvável, que há muito a se trabalhar para reduzir a burocracia, pois mesmo na importação de veículos de colecionadores há enorme exigência a ser cumprida:
“Todos nós poderíamos ganhar. Dar mais liberdade ao cidadão é minha premissa. Como consumidor penso que quem quer carro usado buscará a melhor opção, o melhor custo benefício e, quanto menos o Estado atrapalhar, melhor. Regras devem ajudar o cidadão”.
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