São Paulo – Em cenário de renda comprometida pelo alto endividamento e de poder de compra corroído pela inflação, somado à dificuldade de obter crédito que caiba no bolso devido à elevada taxa de juros, a demanda por veículos 0 KM baixou. E o desejo de ter um carro com cheirinho de novo torna-se sonho ainda mais distante por causa da disparada de preços.
No que diz respeito à indústria automotiva, que seria voltar a oferecer veículos mais acessíveis, isso dependerá de como o País redesenhará sua política de investimentos para os próximos dez anos, opinou Rodrigo Capuruço, CEO da Volkswagen Financial Services no Brasil e na América do Sul, durante o painel Perspectivas do Financiamento Automotivo no quarto dia do Seminário Megatendências 2023 O Novo Brasil, realizado de forma online até sexta-feira, 24, pela AutoData Editora.
“Precisamos neste momento, como País, repensar nossa política industrial, assim como nosso modelo de negócios, para sermos capazes de produzir um carro mais barato, que caiba no bolso do nosso cliente. Aliado a isso seguimos pensando também em ofertas inteligentes, como carro por assinatura ou modelos de micro mobilidade.”
Dentro deste pacote de pontos a serem revisados por parte do governo Capuruço destacou a necessidade da aprovação da reforma tributária e das discussões acerca do risco legal, da estrutura regulatóri, da política de energia e da indústria do etanol:
“Tudo isso combinado tem que ser incentivado para que consigamos reduzir nosso custo e fazer com que todos os participantes do mercado consigam investir, pagar seu investimento, ter sua rentabilidade e, para que, no fim de tudo isso, nosso cliente tenha proposta de valor condizente com a capacidade de pagamento que ele possui. E isso não passa por subsídio”.
O presidente da Volkswagen Financial Services referiu-se a indagação do diretor de negócios de veículos do Itaú Unibanco, Rodnei Bernardino de Souza, a respeito de como tornar viável a volta da produção de carros populares no Brasil, uma vez que o 0 KM está se tornando artigo de luxo:
“Nos últimos dois anos o carro dobrou de preço. E, no Brasil, o preço do carro é componente que define a demanda. Acredito que só teremos carro popular com subsídio, porque esse produto não traz rentabilidade aos fabricantes. Mas, eu me pergunto: será que teremos isto de novo? Algo que já teve no passado, mas que sabemos que não é de longo prazo?”.
Souza justificou seu pensamento calcado no fato de que as montadoras optaram por apostar em modelos de maior valor agregado que, igualmente, dedicam mais segurança e tecnologia ao cliente e garantem margem de lucro – o que sustenta a decisão de manter produção local. Por isto afirmou não acreditar na volta do subsídio, até por questões de endividamento do governo, embora veja como único caminho para a volta do carro popular.
Ele ponderou, porém, que o resultado disso é um mercado menor: “Não seremos um País de 3,5 milhões a 4 milhões de veículos, mas um de 1,5 milhão a 2 milhões”.
Para a presidente do conselho nacional da Abac, Edna Maria Honorato, a volta da oferta de veículos a custos mais acessíveis impulsionaria a adesão por consórcios, uma vez que a modalidade de financiamento é, muitas vezes, a porta de entrada para o 0 KM.
“O sistema como um todo vai se moldando de acordo com a economia, com o ganho das pessoas e o desenvolvimento. Hoje, quando olhamos para o crédito do consorciado, percebemos que a média cresceu, mas porque o preço do carro aumentou. Para nós, brasileiros, o carro é muito caro, assim como a sua manutenção, tanto que ainda há muitos consumidores carentes de mobilidade. Por isto o carro popular seria uma alternativa muito importante.”
Por mais um ano o segmento de usados deve seguir como primeira opção
Diante da ausência desta opção e do constante aumento de preços Honorato propõe a flexibilidade da modalidade, que dá ao contemplado a possibilidade de migrar de marca, de tipo de veículo, por exemplo, para uma motocicleta, ou para um modelo usado: “Se tenho uma carta de crédito de R$ 100 mil mas não consigo mais comprar o veículo que queria com o valor, posso pegar um usado com os mesmos acessórios e com um ano de uso.”
O diretor do Itaú Unibanco vê que, nesse contexto, o brasileiro acaba migrando para o segmento de usados, em busca de algo que possa pagar, embora o resultado seja o envelhecimento da frota. E mesmo com essa tendência, que continua este ano, o mercado de usados deverá andar de lado em 2023 o que, segundo Souza, “é espetacular”, ao complementar que, “se empatar com 2022, será uma vitória”.