País é o segundo maior comprador mundial de veículos elétricos e híbridos chineses e estoques passam de 80 mil unidades
O aumento escalonado do imposto de importação adotado este ano pelo governo brasileiro para incidir sobre veículos elétricos e híbridos, aliado à voracidade chinesa de enviar seus excedentes de produção para qualquer país que ainda aceite importar seus carros sem restrições, provocou alta súbita das importações e inflou uma bolha que passa de 80 mil unidades em estoque que já abarrota os pátios de alguns portos brasileiros.
Este ano a China tornou-se o maior exportador de veículos do mundo, especialmente de modelos elétricos e híbridos. Considerando apenas os eletrificados de janeiro a agosto embarcou 1,4 milhão de unidades, em crescimento de 25% sobre o mesmo período de 2023, segundo dados mais recentes disponíveis da CAAM, China Association of Automotive Manufacturers. E o Brasil foi o segundo maior comprador, nos registros da CAAM, com a importação de 136,1 mil carros nestes oito meses, atrás apenas da Bélgica, que comprou 170,9 mil.
Na lista dos dez maiores compradores de elétricos e híbridos chineses, que consumiram 57% das exportações do país nos oito primeiros meses de 2024, Bélgica e Brasil são os únicos que importaram mais de 100 mil unidades, e os oito demais trouxeram menos de 90 mil.
Apenas três países europeus constam na lista dos dez maiores compradores de carros eletrificados chineses: Bélgica em primeiro, Reino Unidos atrás do Brasil em terceiro e Alemanha em décimo. Portanto, o aumento de imposto de 10% para 35% adotado recentemente pela União Europeia terá efeito limitado em diminuir as exportações da China – assim como a elevação da alíquota para 100% nos Estados Unidos não teve efeito algum pois o país já importava quase nada da China.
Inflando a bolha no Brasil
Com as limitações na Europa e nos Estados Unidos o Brasil surge como maior mercado externo disponível e a bolha de carros chineses eletrificados em estoque foi significativamente inflada em junho, mês que antecedeu a segunda elevação do imposto de importação: de 10% para 18% no caso de elétricos, de 12% para 20% aos híbridos plug-in e de 15% para 25% aos híbridos fechados. As novas alíquotas estão sendo aplicadas desde julho e vigoram até o fim de junho de 2025, quando nova elevação será aplicada.
Apenas em junho, com a nítida intenção de formar estoques livres do aumento do imposto, foram importados 70,8 mil carros da China – a maior parte da BYD e GWM –, volume quase oito vezes maior do que a média mensal de vendas destes modelos, na casa de 9 mil, segundo dados consolidados pela Anfavea, a associação dos fabricantes.
O aumento da tarifa, portanto, estimulou a formação do estoque elevado. Tanto que no mesmo mês em que a alíquota foi aumentada a importação de chineses eletrificados despencou para 5,4 mil unidades e subiu levemente a 8 mil em agosto.
O estoque na casa de 80 mil unidades corresponde a quase todo o volume dos 81,6 mil veículos importados da China e já emplacados no Brasil de janeiro a setembro deste ano, um recorde histórico. E os veículos estocados nos pátios de portos brasileiros são suficientes para nove meses de vendas, considerando sua média mensal atual de emplacamentos – que, aliás, desde julho entraram em rota de queda, de 9,7 mil em agosto para 8,6 mil em setembro.
Consequências
Se a trajetória de vendas de híbridos e elétricos chineses continuar tão abaixo dos estoques e as importações seguirem na frequência normal de 8 mil por mês – como acontecia até abril, antes do aumento das tarifa de importação, e voltou para este nível a partir de agosto – o volume estocado será mantido em níveis elevados e pode até a crescer, com consequências negativas.
Quanto maior o estoque maior é o prejuízo. Em algum momento, portanto, os importadores chineses terão de furar esta bolha para reduzir perdas. A agulha mais adequada para isto costuma ser a redução de preços. O problema é que esta ação de desova desvaloriza a marca e os carros que foram comprados antes dos descontos.
Ainda que alguns milhares de consumidores possam ser beneficiados por descontos atraentes para comprar carros elétricos e híbridos chineses, quem já comprou será prejudicado pela perda de valor do usado.
Olhando para o mercado como um todo, seja de veículos eletrificados ou a combustão, um estoque deste tamanho tem poder para distorcer o mercado com volatilidade de preços. Pode reduzir valores por algum tempo mas depois a conta chega com reajustes que tornam os produtos mais caros do que antes, porque as empresas correrão para recuperar rentabilidade.
Outra questão é que após algum tempo no estoque, por meses em pátios abertos, o carro fica exposto à degradação do tempo. O freguês poderá, assim, comprar um zero-quilômetro e levar para casa um carro com alguns desgastes de usado.
Por fim, mas não menos importante, é que o acúmulo de carros parados nos pátios dos portos já está provocando problemas operacionais. Os veículos chineses estão disputando espaços com veículos de outras procedências e outros produtos importados, o que atrasa as entregas de componentes e pode afetar e encarecer a produção nacional. Segundo a Anfavea alguns de seus fabricantes associados precisaram importar peças por via aérea para contornar o congestionamento dos portos.
A questão, portanto, não é mais se o problema acontecerá mas quando – e não deve demorar.