Tucker’48, Ferrari 212 e Pegaso Z-102, avaliados em mais de R$ 20 milhões, foram incorporados ao acervo em Campos do Jordão
Campos do Jordão, SP – Mais três raros e caros habitantes já fazem parte do vasto acervo do Carde, museu que carrega em seu nome a mistura carros, arte, design e educação, um braço das atividades educacionais da Fundação Lia Maria Aguiar. Adquiridos em agosto do ano passado em leilões da Semana de Monterey, nos Estados Unidos, por valores estimados que superam R$ 20 milhões, Ferrari 212 Vignale, Pegaso Z-102 e Tucker´48 estrearam em março na mostra permanente do Carde.
O museu inaugurado no fim de novembro de 2024, em um prédio futurista de 6 mil m2 em terreno de 20 mil m2 repleto de araucárias, em Campos do Jordão, SP, já recebeu mais de 30 mil visitantes que puderam ver seu rico acervo de mais de 120 carros históricos.
Cerca de metade deles ficam expostos ao lado de obras de arte de famosos pintores e escultores, em salas divididas por períodos históricos de todo o século 20, dotadas de enormes telas de LED que contam partes da história do Brasil da época em que aqueles automóveis circulavam pelas ruas. Outra porção fica no andar de cima, em espaço aberto, em que são exibidos modelos com representatividade na história mundial da indústria automotiva.
Idealizador e diretor executivo do museu, também conselheiro da Fundação Lia Maria Aguiar, Luiz Goshima afirma que a chegada dos três novos integrantes faz parte do plano de expansão e internacionalização do Carde, com participação em leilões nacionais e internacionais: “Os carros são raridades que foram adquiridas no ano passado [em agosto] em leilões na Semana de Monterey [na Califórnia], que ocorrem durante a exposição de Pebble Beach”, um dos mais sofisticados encontros de colecionadores de automóveis antigos do mundo.
Garimpar carros em leilões é parte do modelo de aquisições do Carde para trazer à mostra de Campos do Jordão carros únicos, com representatividade mundial e importância histórica para o Brasil, e que também carregam interessantes histórias particulares de seus proprietários. O museu funciona no modelo em que colecionadores cedem os veículos para exposição “como forma de dar à sociedade acesso ao seu patrimônio de arte”. O próprio diretor também é colecionador e tem automóveis seus expostos.
Por este motivo nenhum dos carros no Carde tem seus valores revelados, mas é possível saber por quanto eles foram vendidos nos leilões, daí a estimativa colocada logo no começo deste texto.
Além dos recursos que recebe da Fundação Maria Lia Aguiar o Carde também se financia com os visitantes pagantes: o tíquete integral custa R$ 160, com meia-entrada para estudantes e idosos e cobrança de R$ 80 para residentes em Campos do Jordão.
Internacionalização e expansão
Segundo Goshima os novos integrantes do Carde foram trazidos ao Brasil por importação temporária de cinco anos – uma forma de não pagar imposto – e cedidos ao museu: “Importamos por um período, depois devolvemos e trazemos de volta”. Para fazer esses arranjos o museu já tem dois endereços no Exterior para guarda e manutenção desses veículos em trânsito, um galpão alugado em Daytona, nos Estados Unidos, e outro no Sul da França.
Além das compras internacionais a ideia também é firmar acordos de intercâmbio com museus no Exterior que poderão enviar ao Carde e receber dele alguns de seus modelos para exposições temporárias, algo comum em mostras de arte. “Fizemos muitos contatos em Monterey e em breve vamos receber aqui dois representantes do Petersen Automotive Museum, da Califórnia, para acertar possíveis trocas”, diz Goshima.
Também está na lista de contatos a McPherson University, no Kansas, Estados Unidos: “É a única universidade que tem graduação de tecnologia em restauração automotiva, queremos firmar convênio para os alunos de nossa escola de restauração que faz parte das atividades do Carde”.
Outra maneira de expandir a exposição é começar a utilizar parte da reserva técnica de quinhentos carros históricos que o Carde tem guardados a 300 metros do prédio de exposições, a maior parte ainda aguardando restauração. Segundo Goshima 120 deles já estão restaurados e esperam o melhor momento para serem exibidos: “Planejamos abrir esta área com estes modelos para visitação e poderemos também fazer remanejamentos e trocas na exposição principal”.
Para promover o museu e o antigomobilismo o Carde também promove eventos em Campos do Jordão com participação de alguns de seus carros e de colecionadores, como foi o desfile de corsos carnavalescos no último carnaval. Para o primeiro semestre de 2026 está em planejamento a Mantiqueira Week, um evento inspirado em similares no Exterior, com o Pebble Beach, para reunir modelos antigos com exposição, concurso de elegância e leilões.
Ferrari 212 Inter Coupé 1953
Produzido pela Ferrari de 1950 a 1953, o modelo 212 trazido ao Carde é muito raro, parte de uma pequena tiragem de apenas seis exemplares similares. Desenhada por Giovanni Michelotti, a elegante carroceria foi construída à mão pela italiana Carrozzeria Vignale, em 1953. O carro já venceu em sua categoria o Concours d’Elegance de Pebble Beach, em 2023. Um ano depois foi arrematado em leilão durante a Monterey Week, em agosto passado.
É o mais valioso dos três carros comprados para o Carde nos Estados Unidos. O valor não foi oficialmente revelado pelo museu, mas o modelo foi vendido por US$ 1 milhão 625 mil, conforme anunciado pela Gooding & Company.
O automóvel em exposição é equipado com motor V12 de 2,5 litros e 170 cavalos, dotado de tripla carburação Weber e câmbio manual de cinco marchas, conjunto capaz de levar o elegante Ferrari à velocidade máxima de 200 km/h, segundo dados da época de sua fabricação. O carro foi produzido na Itália e embarcado zero-quilômetro para Luigi Chinetti, representante e distribuidor da marca nos Estados Unidos.
Pegaso Z-102 Berlinetta Series II 1954
Concebido pelo engenheiro espanhol-catalão Wifredo Ricart para fazer concorrência direta aos carros de Enzo Ferrari – com quem já havia trabalhado e se desentendido na italiana Alfa Romeu nos anos 1930 –, o Pegaso Z-102 também foi um efêmero e raro símbolo da capacidade industrial espanhola que o ditador Francisco Franco queria propagandear ao mundo, recuperando a imagem da requintada Hispano-Suiza – fabricante fundada em Barcelona, em 1904, que antes da Segunda Guerra Mundial produziu modelos de alto luxo que rivalizavam com marcas como Rolls-Royce, Bugatti e Mercedes-Benz.
No pós-guerra Ricart voltou à Barcelona e foi convidado a dirigir a Enasa, Empresa Nacional de Autocamiones, estatal fabricante de veículos que havia assumido as instalações da Hispano-Suiza e convertido a fábrica para produzir caminhões. Ali projetou o Pegaso Z-102, que teve apenas 84 unidades fabricadas de 1951 a 1958. Para fazer frente às Ferrari até o nome e o emblema do modelo foram escolhidos a dedo: se o símbolo do concorrente italiano é o cavallino rampante, ou cavalinho empinado, o exótico esportivo espanhol tinha o cavalo alado da mitologia grega fixado em sua carroceria.
Não por acaso o Pegaso Z-102 foi considerado o carro de produção mais veloz de sua época: equipado com um motor V8 de 2,8 litros com dupla carburação e 195 cavalos, chegava 240 km/h.
Por ironia o Pegaso foi trazido ao Brasil e está exposto na entrada do Carde bem ao lado de seu maior concorrente, o Ferrari 212, apenas um ano mais antigo. O exemplar em exibição foi produzido em 1954 e é um dos sete que receberam carrocerias da Saoutchik, da França. Ele já nasceu como carro de exibição: foi um dos dois Pegaso expostos ao público no Salão do Automóvel de Paris de 1954.
Segundo a casa de leilões Broad Arrow somente dois anos depois um destes modelos foi vendido ao seu primeiro proprietário, na Espanha, e em 1989 foi comprado por um piloto e colecionador Arthur L. Foley III, que o levou para restauração nos Estados Unidos. O Carde não informou se é este o modelo em questão, mas o Z-102 foi leiloado algumas vezes, uma delas por US$ 880 mil na Monterey Week de 2016 e voltou a ser oferecido pela Gooding & Company em Pebble Beach, em agosto do ano passado, cotado de US$ 650 mil a US$ 800 mil. Não foi informado se houve arremate neste leilão.
Tucker’48 1948
Apresentado no fim da década de 1940, o Tucker é considerado um dos automóveis mais famosos e polêmicos da história da indústria automobilística dos Estados Unidos. Concebido por Preston Tucker e estilizado por Alex Tremulis, foi um veículo considerado revolucionário para sua época, pois trazia soluções nada convencionais, a começar pelo design futurista triangular da dianteira, que renderam o apelido de Torpedo, e a silhueta cupê com traseira alongada, tipo fastback, além do motor traseiro de seis cilindros e 166 cavalos – adaptado de um helicóptero – que levava o modelo a até 190 km/h.
Outras inovações eram o painel acolchoado, comandos e quadro de instrumentos concentrados na coluna do volante e um terceiro farol central, que se movimenta para ambos os lados acompanhando a direção. As portas traseiras abrem no sentido invertido, para frente.
Apesar da repercussão positiva o projeto não evoluiu como planejado. Preston Tucker foi alvo de uma investigação judicial e, mais tarde, acusado de fraude ao captar recursos na bolsa de valores sem apresentar a produção prometida aos investidores. Ainda que sua inocência fosse comprovada a reputação e a situação financeira da empresa já tinham se deteriorado.
Assim de 1948 para 1949 apenas 51 Tucker’48 foram produzidas e restam apenas 47 no mundo. Um deles é o chassi 1003, ainda um protótipo, que está em exibição no Carde. O carro foi de propriedade do diretor de cinema George Lucas, cineasta criador dos filmes Star Wars e Indiana Jones, que em 1988 foi o produtor do filme Tucker, Um Homem e Seu Sonho, dirigido por Francis Ford Coppola. O carro participou das filmagens e por anos ficou guardado por Lucas no seu Skywalker Ranch, na Califórnia.
Em agosto de 2024 o Tucker’48 chassi 1003 foi vendido por US$ 1 milhão 380 mil em leilão da Broad Arrow em Pebble Beach.
Em Campos do Jordão o carro fica exposto no andar das salas históricas temáticas, pois tem ligação indireta com a história da indústria automotiva nacional. Após a falência nos Estados Unidos Preston Tucker veio tentar a sorte no Brasil. Montou escritório em Copacabana, Rio de Janeiro, e a partir de 1952 começou a buscar sócios e projetar um carro para ser produzido no País, que foi chamado de Carioca, com design inspirado no Torpedo. Mas Tucker morreu de câncer, em 1956, e o projeto ficou para a história.