São Paulo – Os desafios que assombram a economia brasileira, especialmente o setor automotivo, continuam na mesa neste início de 2022. Muitos problemas foram herdados dos 365 dias anteriores, como a persistente crise dos semicondutores e a falta de insumos, que se juntaram a alguns novos e não tão novos, como as projeções de PIB zerado, aumento das taxas de juros, câmbio mantido na casa dos R$ 5,60 e a inflação ainda elevada, embora em trajetória descendente. Tudo em um ano de eleição presidencial polarizada.
A primeira edição do ano do boletim Focus do Banco Central aponta para avanço de apenas 0,36% do PIB, perspectiva bastante distinta da aguardada para 2021, de 4,5% – o resultado oficial será divulgado em março. A Selic, que foi a 9,25% ao ano em dezembro, deve chegar a 11,5% em 2022 para derrubar pela metade o IPCA, de 10,1% para 5%, e o IGP-M a um terço, de 17,4% para 5,5%.
Só que, para especialistas, esse aumento dos juros será o verdadeiro calcanhar de Aquiles da retomada econômica, ao defenderem que a inflação não tem sido provocada pelo aumento de demanda e sim pelos preços nas alturas das commodities e do câmbio. Ao contrário, diante do aumento do desemprego como produto da crise pandêmica, a população brasileira tem menor volume de renda disponível.
Economista da Oikonomia Consultoria Automotiva, Raphael Galante mencionou que os juros de financiamento de veículos estavam, em novembro, em 1,8% ao mês, porcentual similar a 2016. “Nossa taxa regrediu em cinco anos. Com o agravante de o País viver cenário de aumento da pobreza. Ou seja, hoje está mais caro financiar. E vai ficar ainda mais caro, pois o aumento da Selic de dezembro ainda não refletiu na ponta, o que dificultará mais a venda.”
Dados do IBGE mostram que a renda per capita do brasileiro girou em torno de US$ 6,6 mil em 2021, ao passo que em 2016 havia sido de US$ 9,3 mil. Em outras palavras, foi reduzido em um terço. Achatamento que deve aumentar neste ano, com projeção de US$ 6,5 mil.
Para Silvio Paixão, professor da Fipecafi, o motor do setor automotivo está nos carros por assinatura. “O brasileiro percebeu que, na ponta do lápis, é mais vantajoso manter um carro por locação do que ter a sua posse, em que se desembolsa de 10% a 15% do valor de aquisição com despesas como IPVA, seguro e manutenção. Isso sem falar na desvalorização brutal do zero-quilômetro, mas, por esse modelo, a cada três anos é possível ter um veículo novo e mais seguro. Só que essa Selic prevista para este ano em 11,5% é exagero. Se não subir a esse patamar torna viável a assinatura como estratégia principal das montadoras.”
Paixão criticou a política monetária do País, que classificou como ruim, ao desestimular setores importantes para a economia. “Além de os juros refrearem o movimento crescente dos carros por assinatura, os preços dos combustíveis desencorajam a adesão de motoristas de aplicativo, que não conseguem manter a atividade e, portanto, deixam de trocar de carro.”
Coordenador do curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero concordou e avaliou que o País tem pela frente deterioração da questão fiscal, que mexe com os juros e o câmbio, uma vez que em 2021 o governo federal oficializou, com o aval do Congresso Nacional, o fim do teto de gastos. E, com isso, trouxe a falta de previsibilidade. “E a eleição, que deveria priorizar essa questão, deverá ser focada em ataques e desconstrução das ideias dos adversários.”
Para o setor automotivo o desafio é ainda maior, pois, além da desordem endógena do País, é submetido às variáveis exógenas, as quais não se tem controle, como a quebra da cadeia produtiva que prolonga férias coletivas das fabricantes e atrasa o cronograma de fabricação por falta de peças. “Podemos ter uma repetição disso. Até porque não sabemos para onde vai a variante ômicron e nem se pode surgir uma nova cepa de covid. Há uma série de interrogações com relação ao mercado internacional e a tendência é que os países se tornem mais protecionistas. Isso acaba desfavorecendo o Brasil, altamente dependente de peças e combustível de fora.”
Paixão sentenciou que a principal lição para o setor, dentre tantas que devem ser aprendidas dos fatos de 2021, é a de não depender tanto do mercado externo e, principalmente, de só um fornecedor, ao citar a concentração da produção de chips, que viu explosão de demanda por outros segmentos também, como o de eletroeletrônicos, além do automotivo, ao mesmo tempo em que sofreu com restrições de produção por causa da pandemia.
Mais otimista, o professor da Fipecafi acredita em crescimento entre 1% e 2% do PIB neste ano, a depender da capacidade de produção de energia do País. “Não se produz sem eletricidade. Se tiver racionamento de energia a fabricação é interrompida, o custo aumenta e se perde competitividade. Em um país com tanto sol e vento, não dá para entender como a geração de energia solar e eólica não são protagonistas ao lado da hidrelétrica. Agora é torcer para que chova muito neste ano.”
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