São Paulo – O supersticioso consumidor que virou o ano mentalizando que trocaria de carro em 2022 teve desagradável surpresa com a disparada de preços dos 0 KM. Não bastasse o combo de más notícias trazidas pela pandemia, a ela também é atribuído esse ônus: enquanto a inflação oficial avançou 10% ao longo do ano passado os veículos novos estão quase 20% mais caros.
Foi o que apontou pesquisa da KBB Brasil divulgada na terça-feira, 11, mesma data em que o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, divulgou que o IPCA, Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, apresentou a maior alta desde 2015, quando alcançou 10,6%. Foi também a primeira vez, nesses seis anos, que a meta do Banco Central para a inflação, de 3,75%, foi superada – e em quase três vezes.
Para a Anfavea o coronavírus trouxe o descontrole dos custos, a começar pelo fato de um dos principais insumos de sua indústria, o aço, ter dobrado de preço ao longo do ano passado. Além disso o presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, citou que a variação do câmbio pesou bastante nessa equação: “Antes de a pandemia chegar por aqui, no início de 2020, o dólar era cotado a R$ 4 e, hoje, está na casa dos R$ 5,60. Como muitos dos insumos são importados, não tem como escapar”.
Segundo a KBB quando se compara o comportamento dos preços de 2021 com os de 2020 os carros 0KM acumularam mais do que o dobro do reajuste visto há dois anos, quando a covid já era realidade, mas não a crise que se instaurou nas linhas de produção em todo o mundo: enquanto os modelos 2021, que eram os mais recentes ao fim de 2020, subiram 7,79% naquele ano, os 2022 fecharam os últimos doze meses com 18,39% de inflação.
Isso porque a escassez de semicondutores acirrou a disputa por chips, ao mesmo tempo em que também começou a faltar aço e borracha, pontuou Moraes. Sem falar na redução da oferta logística, o que também fez com que os custos com fretes marítimos e aéreos se tornassem proibitivos: “Mas isso não foi algo exclusivo nosso. Se os preços dos veículos novos aumentaram 14%, em média, no Brasil [segundo cálculos da Anfavea], nos Estados Unidos subiram 12%, quase a mesma coisa. Trata-se de problema global”.
Além disso, para se ter a sensação do cheirinho de carro novo, é preciso colocar na ponta do lápis o fato de que ano a ano os veículos se tornam mais seguros e tecnológicos, o que naturalmente traz incremento nos preços. Desde 1º de janeiro, por exemplo, passou a vigorar nova legislação antipoluição, o Proconve L7, que traz limites de emissão mais rigorosos.
Nessa conta entram, ainda, os gastos com energia elétrica, que dispararam com o volume menor de chuvas durante o ano passado, apontou o coordenador do curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero, o que pesou mais às indústrias e se somou à quebra das cadeias produtivas do setor automotivo.
Nos quatro primeiros meses do ano vigorou a bandeira amarela, depois a vermelha nos patamares 1 e 2 e, desde setembro, é utilizada a nova bandeira, chamada de escassez hídrica, com acréscimo de R$ 14,20 a cada 100 kWh consumidos – o que deve permanecer até abril. De acordo com dados do IBGE o segundo item que mais pesou na inflação de 2021 foi a eletricidade, 21,2%, atrás apenas da gasolina, que encareceu 47,5%, e à frente do automóvel novo, com alta de 16,1%.
O gerente do IPCA, Pedro Kislanov, avaliou que o avanço nos preços dos 0 KM se deveu ao desarranjo na cadeia produtiva do setor: “Houve uma retomada na demanda global que a oferta não conseguiu suprir, ocorrendo, por exemplo, atrasos nas entregas de peças e, às vezes, do próprio automóvel”.
Risco – Balistiero pontuou que a barreira dos dois dígitos é simbólica para o Brasil porque temos memória inflacionária muito recente: “O plano real não tem nem trinta anos. Então é sempre muito perigoso quando superamos a barreira dos dois dígitos, o que aconteceu pela última vez durante o governo Dilma Rousseff, que se dizia reformista e que iria cuidar da questão fiscal, o que não aconteceu. Já o governo Bolsonaro, em 2018, deixou claro que não teria condições de entregar nada ao País, somente crise e tensões internas e externas, além de atuar como agente do caos”.
Para ele esse é motivo que o eleitor deve levar em consideração ao ir às urnas em outubro, a fim de que a economia não sofra ainda mais e o consumidor pague o seu preço, literalmente.
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