Ribeirão Preto, SP – Na segunda-feira, 2 de maio, Luiz Carlos Moraes passa a presidência da Anfavea para seu sucessor Márcio de Lima Leite, após eleição em chapa única. No 23 de abril de 2019, quando assumiu a entidade que representa fabricantes de veículos e máquinas, tinha em mente a inserção do Brasil na revolução automotiva. Mal imaginava que encararia de frente a maior pandemia dos últimos 100 anos e uma crise sem precedentes na cadeia de suprimentos.
Os dois fatores negativos se sobrepõem na hora da avaliação por sua abrangência, mas Moraes conquistou alguns avanços durante a sua gestão: o País tem, enfim, seu programa de renovação de frota de caminhões, ainda que carente de mais regulações. O governo iniciou um processo de redução do IPI, demanda histórica da indústria automotiva nacional que busca menos e mais simples carga tributária. E a Anfavea deixa um mapa para a descarbonização do setor automotivo brasileiro, que tem suas peculiaridades pela presença do etanol, sua colocação como mercado emergente e menos poder de compra para avançar, de sopetão, aos puramente elétricos, mais caros.
Moraes conversou pela última vez como presidente da Anfavea com a reportagem da Agência AutoData durante a Agrishow, evento que marcou sua despedida do cargo. Mas ele continua ali, e na Mercedes-Benz, onde já estava antes de assumir a cadeira que legará a Lima Leite na segunda-feira, 2.
Confira a entrevista, onde falou dos desafios e o que espera do futuro da entidade.
Após o resultado de um primeiro trimestre conturbado como ficam as perspectivas para o ano? O senhor acredita que o próximo presidente precisará revisar os números?
Nós fomos conservadores com o número projetado para o ano e, dentro dessa projeção, já era esperado um primeiro semestre mais fraco e uma demanda maior no segundo. Isso porque a gente já sabia que no primeiro trimestre haveria uma restrição maior de componentes e esse cenário iria melhorando de trimestre em trimestre.
Então: não é que no segundo semestre acabam as restrições para produzir, mas elas serão menores. E com essa metodologia chegamos a 2,3 milhões de vendas, com alta de 8,5% e 2 milhões 460 mil de produção, com expansão de 9,4%.O primeiro trimestre foi quase alinhado com a nossa expectativa, mas ficou um pouco abaixo, sendo transparente, mas nós acreditamos que é possível recuperar esse volume no segundo semestre. Porém, quando fizemos a projeção a guerra na Ucrânia não existia, e então temos um elemento novo, agora, que dificulta novas projeções e, por isso, aguardaremos um pouco mais para uma possível revisão. Lembrando que não temos problemas em fazer essa revisão, mas precisamos esperar para ver como será o fim do primeiro semestre. Temos montadoras de leves e pesados paradas por causa de semicondutores: são os desafios que precisamos enfrentar junto com a crise na logística e outros fatores. Avaliando o número projetado, friamente, 2,3 milhões de vendas são 180 mil veículos a mais do que em 2021, o que é um número baixo, comprovando o conservadorismo na nossa expectativa para o ano.
O resultado do trimestre só recebeu o impacto da falta de produto ou a alta nos preços e os juros esfriaram a demanda no varejo?
Acho que no primeiro trimestre nós ainda não sentimos o reflexo da alta nos juros, porque havia uma demanda reprimida e pedidos que precisavam ser entregues. Mas com certeza estamos preocupados com os juros no segundo semestre e, na nossa visão, a segunda metade do ano poderia ser até melhor se os juros não fossem tão altos. Esse fator deverá segurar as vendas. A inflação está alta no Brasil e no mundo, mas por aqui o Banco Central está com a mão pesada para calibrar os juros. Então a taxa final no CDC está em 26% a 27%, o Finame para máquinas está com taxa de 15%, alta também. Olhando a taxa de juros é preocupante, mas eu sempre separo assim: na economia nós não podemos fazer nada, o PIB do Brasil precisa crescer, mas nós podemos atacar a redução da carga tributária, a redução do custo Brasil, para ajudar a amortecer o aumento dos custos, como aconteceu com o IPI, que ajudou a segurar um pouco o incremento nos preços, porque se isso não tivesse acontecido a alta seria maior. O País está desde 2015 até agora empatando o PIB e para esse ano a previsão é de alta de 0,5%, que é muito pouco. Se olhar para as opiniões de crescimento do Brasil elas variam de um PIB negativo até uma expansão de 2%, isso porque ninguém sabe ao certo o que acontecerá. Precisamos esperar um pouco mais para avaliar se alteraremos as projeções: conversaremos com o novo presidente da Anfavea, que assumirá em breve, e ele decidirá.
Quando a projeção do ano foi atualizada pela Anfavea qual era a taxa de juros projetada?
Ela estava em 11% e já considerava um aumento forte, mas agora estão falando que pode bater 12% ou mais.
As locadoras poderão ajudar as montadoras no segundo semestre para atingir o volume de produção?
Sim, acreditamos nisso, desde que a produção seja estabilizada. As locadoras trabalham com previsão de 440 mil carros esse ano, número próximo ao de 2021, mas a demanda delas está em torno de 600 mil carros. Se tiver para entregar. A idade média da frota delas está mais alta por causa do volume que faltou em 2020 e 2021 e isso gera um custo maior de manutenção. Então elas precisam renovar e voltar a idade média ao patamar normal para o negócio delas. Esse é mais um fator que me faz acreditar que o número projetado pela Anfavea não é tão louco ainda. Mesmo que a demanda do varejo recue por causa da taxa de juros o atacado pode compensar parte dessa queda, permitindo atingir a nossa projeção.
Nos últimos anos havia uma discussão sobre o porcentual de vendas diretas no volume da indústria e, agora, parece que esse segmento será uma solução para atingir o volume do ano. Como o senhor avalia isso?
Existe o segmento de locação diária, mas também existe a locação para grandes empresas que não querem ser responsáveis pela sua frota, investir nos veículos e realizar a manutenção. Existem locadoras que só alugam para outras empresas. Há, também, a locação por assinatura que está avançando no segmento leve e pesado. Esse modelo chegou para ficar e tem potencial de crescimento. Hoje as locadoras representam 20% das vendas de veículos, às vezes 21% ou 22%, mas fica em torno disso. O resto das vendas diretas, que falam que é muito alta, é venda para diversas áreas do governo e licitações.
E a segunda redução do IPI que foi anunciada pelo governo e não saiu? Ainda pode sair?
Acho que vai sair, mas precisamos esperar. O governo tem seus processos internos, mas esperamos que venha. A nossa luta é pela extinção do IPI, mas como não é possível fazer tudo de uma vez estamos avançando. A primeira redução já saiu: estamos esperando a segunda etapa e, quem sabe, antes da reforma tributária ser adotada a gente consiga o fim do IPI para toda a indústria de transformação.
Quais deverão ser os próximos passos da Anfavea?
Há três áreas que já trabalhamos e temos que seguir atacando. Uma delas é o custo Brasil: a gente conseguiu alguns avanços, mas ainda há muita coisa no País que prejudica a indústria de transformação em geral. Por isso estamos trabalhando junto com outros setores, porque são temas horizontais, para tentar trabalhar nessa linha. A reforma tributária também é um ponto que esperamos que avance. O terceiro grande item é a descarbonização, a transformação pela qual passaremos na direção da eletrificação e do uso de biocombustíveis, que é o estudo apresentado pela Anfavea. Esses são os três grandes temas que eu trabalharia.
E como avalia o seu mandato? Tem algum ponto que gostaria de ter avançado mais e não foi possível?
Acho que foi um grande desafio, pois não esperávamos enfrentar a pandemia e ter que mudar todo o plano de ação. E a resistência do setor, a gestão de crise durante a pandemia… Ajudamos o País com a produção de respiradores, a Anfavea levantou o projeto e as empresas aderiram de forma espontânea. Depois veio a gestão da produção durante a crise, as paradas e a crise da cadeia global de fornecimento.
Acho que conseguimos avanços importantes, que pareciam difíceis, como a redução do IPI que foi discutida e avançou, o projeto de renovação de frota. O estudo de descarbonização é um estudo bem abrangente e não olhou só pra eletrificação, olhou para biocombustíveis, olhou para infraestrutura. Acho que essas foram as maiores contribuições que essa diretoria da Anfavea deixou.
O senhor acredita que esses avanços registrados durante o seu mandato poderiam ter acontecido antes, considerando um cenário sem pandemia?
Acho que a renovação da frota com certeza. A redução do IPI também. Mas acho que, talvez, a crise causada pela pandemia pode ter sensibilizado o governo também. Aqui temos IPI, PIS/Cofins, etc. Temos muito imposto e o ideal seria trabalhar com um IVA igual na Europa, de 20%.