São Paulo – A expectativa pelo anúncio aguardado para o Dia da Indústria era bastante elevada por parte de empresas, consumidores, entidades e sindicatos. O sentimento, entretanto, foi de frustração devido a informações vagas e ao fato de que o que é pretendido, a redução de PIS/Cofins e IPI para veículos de até R$ 120 mil, para baratear os veículos entre 1,5% e 10,96%, depender de aprovação do Ministério da Fazenda – avaliação que foi prometida para ocorrer em até quinze dias.
Na análise do consultor especializado no setor automotivo Ricardo Bacellar, também conselheiro da SAE Brasil, a divulgação de medidas que ainda não estão aprovadas só aumenta essa expectativa, posterga as vendas em um mercado que já está andando de lado e, o principal, pode não cumprir com o objetivo de estimular o consumo de carros de entrada, uma vez que o público desse produto está com a renda deteriorada, o que não deve mudar com os tais incentivos – se validados.
“O que foi dito hoje [quinta-feira, 25], possivelmente antecipado por ocasião do Dia da Indústria, tem um monte de pontas soltas e ficou muito aquém do que se esperava. Sem contar que, ao divulgar algo temporário, embora nem se saiba por quanto tempo ainda, tem-se um voo de galinha”, disparou Bacellar.
Ele avaliou que o desconto máximo de 10,96% não diminuirá o custo do Fiat Mobi ou do Renault Kwid, atualmente os 0KM mais baratos do País, ao custo de R$ 68 mil 990, ao patamar de R$ 50 mil, conforme se esperava. No máximo, chegarão perto de R$ 60 mil.
“Entendo que a margem para mexer em tributos é pequena, por isso é fundamental que sejam ditas quais serão as contrapartidas da indústria para baixar o preço do veículo de entrada. Sem amarrar as pontas é como trocar seis por meia dúzia e isso não vai estimular o varejo. Até porque faltou a discussão em torno da volta do carro popular e, principalmente, sobre o empobrecimento do brasileiro nos últimos anos.”
O consultor citou estudo realizado por ele ao apontar que, de dezembro de 2019 a meados de 2021 a renda do consumidor encolheu 11% o que, se fosse atualizado para os dias de hoje, poderia chegar a 15%. Por isso, seria fundamental o anúncio de medidas estruturantes que ampliassem a empregabilidade e o poder de compra, o que, de fato, reativaria o consumo.
“A inadimplência não para de crescer. Não é um simples desconto que vai dar condições às pessoas de comprarem um 0KM. Se houvesse mudança no imposto trabalhista o empregador pagaria menos tributo e sobraria mais dinheiro para o trabalhador. Sem contar que, diante da possibilidade de maior oferta de emprego, o salário não seria tão achatado.”
A opinião é partilhada pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Moisés Selerges, que defendeu durante reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na manhã do anúncio que a redução tributária precisa ser atrelada à contrapartida de manutenção e geração de emprego, ou seja, dar condições para que isso ocorra.
Entretanto, diante do que foi divulgado até o momento, o dirigente disse que sentiu falta de medidas com esse propósito, além das que promovam o acesso ao crédito: “Precisamos de financiamento e juros baixos, que caibam no bolso. Só assim as pessoas vão voltar a comprar carro. E, principalmente, os transportadores, uma vez que as vendas de caminhões despencaram 40% este ano. Um caminhão ativo gera emprego e renda. É urgente a necessidade de um Finame acessível e atrativo”.
Selerges contou que cobrou a necessidade de o governo argumentar mais firmemente com o Banco Central para que haja a redução da Selic, hoje aos 13,75% ao ano. E também de que haja medidas para ampliar o porcentual de componentes dos veículos produzidos no Brasil.
O sindicalista afirmou não considerar um anúncio efetivo o que foi apresentado no Dia da Indústria, uma vez que ainda passará ao crivo da Fazenda, apesar da grande expectativa criada. Teme, inclusive, números ainda mais negativos na venda de veículos, principalmente de pesados, diante do compasso de espera por mais quinze dias:
“Com erros e acertos pelo menos a indústria está na pauta do governo. E isso é muito importante, principalmente porque nos últimos seis anos o tema ficou de fora. Pensando assim, quinze dias não são muito”.
Ricardo Bacellar disse entender que o governo acabou de assumir, e que as demandas são muitas, mas que seria preciso dar sinais de que coisas positivas serão realizadas, o que, em sua visão, não está acontecendo.
Recursos para inovação podem promover mudanças estruturais
O consultor elogiou apenas a liberação de recursos do BNDES para inovação. Para ele trata-se de oportunidade ímpar para a indústria, que a partir desse dinheiro poderá pesquisar novos materiais, a fim de substituir alguns utilizados na produção dos veículos, mas com custo menor, o que reduziria efetivamente o custo do carro.
Outra oportunidade destacada por Bacellar a partir do empréstimo a juros baixos seria a padronização de peças. “Hoje cada carro utiliza um tipo de componente, com configurações distintas. E isso acontece mesmo com um parafuso. A padronização traria escala e, consequentemente, diminuição no preço dos veículos. Nunca vi a engenharia nacional decepcionar em qualquer desafio. É questão de dar a missão e as condições para isso.”
Entidades do setor preferem esperar definições para se manifestar
Em nota o presidente da Fenabrave, José Maurício Andreta Júnior, avaliou como positivo o que foi anunciado pelo governo. Ponderou, entretanto, que ainda existem pontos a serem definidos, o que permitirá melhor análise.
“Pelo que foi tratado até o momento, a Fenabrave acredita que uma provável redução dos preços dos carros, a patamares abaixo de R$ 60 mil, se atrelada a um crédito mais farto e barato, possa alcançar os consumidores que hoje estão fora da faixa de consumo de automóveis 0KM.”
No entanto, Andreta Júnior disse não ser possível fazer projeções e estimativas de volumes e porcentuais sem antes ter conhecimento do decreto a ser publicado em até quinze dias, e sua efetiva aplicabilidade pelas montadoras.
O Sindipeças avaliou que a divulgação foi relativamente superficial e com pormenores que ainda precisam ser definidos, portanto, só depois disso é que a entidade se manifestará.