Campinas, SP – A Bosch organizou um evento em sua fábrica para falar sobre ESG, para reunir as informações que os fabricantes de veículos, todos seus clientes, estavam dispostos a compartilhar sobre suas práticas de governça socioambiental. Para Gastón Diaz Perez, CEO e presidente da Bosch para a América Latina, e sua equipe, que trouxe a sugestão desta reunião, “a indústria está trabalhando de forma isolada, então pensamos em trocar informações sobre este tema, porque não há concorrência no ESG”.
Participaram dos blocos de apresentações de 10 minutos cada, seguido por rodadas de debates, representantes BYD, Cummins, Ford, GWM, General Motors, Honda, Hyundai, Iveco, Mercedes-Benz, Renault, Stellantis, Toyota, Volkswagen, Volkswagen Caminhões e Ônibus e Volvo.
Diaz Perez acredita que a governança socioambiental é uma demanda da sociedade, do consumidor e que, por isto, as empresas devem mostrar que pretendem atender o seu cliente. No entanto ele descarta a propaganda como única vertente porque “temos que entender que o ESG tem que estar ligado ao negócio, tem que gerar valor”.
Durante uma hora após a sua apresentação de abertura do evento, que também abordou os 70 anos da empresa no País, conversamos com o principal executivo da Bosch na região sobre diversos assuntos. Acompanhe alguns deles:
O senhor mostrou que a mineração é uma atividade altamente poluente. Como a Bosch espera contribuir para reduzir esse impacto?
Os caminhões do setor de mineração têm uma utilidade longa, podem trabalhar durante décadas e são movidos a diesel. Estamos, então, trabalhando numa tecnologia para reduzir as emissões utilizando etanol no ciclo diesel. Porque a eletrificação não seria uma solução eficiente neste tipo de atividade nos próximos anos. Conseguimos fazer uma substituição, uma mistura de etanol em até 50% no motor diesel, e aí você baixa as emissões violentamente. O diesel é um combustível importado e misturando com o etanol podemos utilizar um produto local, com uma pegada de carbono significativamente menor. Acho que essas coisas começam a fazer sentido. Tecnicamente é possível.
Considerando a arquitetura dos motores a combustão, hoje, até onde é possível, por meio de tecnologias, como a Bosch tem várias, estender a sua utilização?
A eficiência dos motores segue aumentando. O que sai do escapamento de um motor diesel, Euro 6, na Alemanha, é mais limpo do que o ar que circula na Europa. Provado cientificamente. O motor a combustão tem evoluído e vai continuar evoluindo, ou seja, teremos mais alternativas, teremos combustíveis para usar esses motores com menor pegada a carbono, como é o caso de biocombustíveis, como é o caso de combustíveis sintéticos, que agora começam a surgir, como é o caso do hidrogênio. O hidrogênio queimado no motor a combustão gera muito pouca emissão. Acho que ainda há um longo percurso e não sei se realmente teremos uma tecnologia dominante. Mas seguramente acontecerá o que ocorreu com a tecnologia flex: mesmo que as expectativas dos engenheiros não tenham sido inicialmente animadoras o usuário aprovou e adotou essa tecnologia. A decisão está com os consumidores.
Há um desenvolvimento em curso para centralizar a inteligência dos produtos. Em vez de vários sensores e sistemas atuarem independentemente em várias partes do veículo a ideia é levar tudo isso para uma arquitetura central. Uma central mais robusta tomará conta disto. O senhor acha que essa é uma tendência quando o assunto são hardwares e softwares?
Esta é uma tendência. Hoje temos muitos computadores dentro do carro: ele tem mais códigos e softwares do que um avião de combate. Cada sistema tem um computador diferente. O sistema de frenagem tem uma caixa controladora só para ele. A tendência é que tudo isso vá se concentrar em dois ou três computadores, que controlarão todos os hardwares. Isso significará muito mais software, não menos. E este computador central, essts computadores centrais, poderão se atualizar em tempo real como faz um celular. Com toda a complexidade que se possa imaginar, porque hoje se o Facebook comete um erro, ficamos sem WhatsApp por duas horas e todo o mundo fica chateado. Mas um carro não é um telefone. A segurança destas operações de atualização automática em um veículo é muito importante. E não pode falhar. Então, conceitualmente, como o conceito é válido, eu tenho que pensar que será muito pesado o nível de segurança de informação, homologação, que terá que passar este software antes de ser colocado no carro. E é lógico que seja pesado, porque… imagine um carro autônomo: teoricamente é possível hackear um carro autônomo.
O senhor também mostrou a importância do desenvolvimento de jovens profissionais para criar serviços de softwares. E para exportar estes serviços.
Nós achamos que temos condições de manter 70% de exportação de serviços de softwares: 30% desse desenvolvimento para o Brasil, 70% exportação. Nós já temos 10% dos funcionários dedicados aos softwares. O setor privado precisa investir mais em conhecimento, na informação e conhecimento, porque é o que está faltando. Estamos desenvolvendo os maiores talentos da região. Mostrei que em Campinas temos 3,3 milhões de pessoas aptas a ocupar uma posição de trabalho na indústria. 300 mil são jovens de 16 a 19 anos. Recebemos 16 mil currículos desse perfil jovem e escolhemos trezentos, que estão agora no Centro de Desenvolvimento, que está aqui atrás [do clube da Bosch, ao lado da fábrica]. É um lugar de primeiro nível, com os melhores computadores, com os melhores professores, com acesso às últimas tecnologias que a Bosch está trabalhando globalmente. Para nós é bom porque estamos desenvolvendo pessoas que não teriam esta oportunidade. O nível de identificação com a empresa é altíssimo. Então temos um ganha-ganha para que eles fiquem muito tempo conosco. Mas é um investimento sem garantia de retorno financeiro. Nós investimos 1 mil euros em cada jovem por mês. A formação deles demora dois anos. A Bosch seguirá investindo até formar cerca de 1 mil para começar. Como estamos indo muito bem acho que ainda será possível fazer muito mais.
Existem outros lugares que já fazem esse desenvolvimento dos jovens há mais tempo, como a Índia, o Vietnã, o México. Esta é uma competição que o Brasil está numa posição boa ou muito atrás?
É verdade: a Índia já faz muitos anos que está trabalhando no desenvolvimento de jovens para serviços baseados em tecnologia. Começamos há três anos, estamos ocupando um espaço, eu acho que ainda há tempo de entrar nessa competição. Hoje, cada vez que ganhamos um projeto e vem para o Brasil, a primeira expressão que nós temos do cliente é: onde vai ser? No Brasil. No Brasil? Como? Você fala Índia e todo mundo relaxa, ah, a Índia, tudo bem. Eu acho que esse é o desafio. Quando perguntam onde vai ser? No Brasil. E qual é a vantagem que a gente tem? O tempo que a indústria automotiva está presente no Brasil é uma vantagem. Nós temos muito bom conhecimento técnico. Culturalmente temos muita mais facilidade para conversar com o americano, com o europeu. A habilidade das pessoas é muito alta e temos uma rotatividade baixa. Isto é um diferencial porque em outros países você tem 10%, 15%, 20% de rotação nessas funções. Eles começam um projeto e no fim terão 50% da equipe nova, que não participou no início. Nós temos muito mais estabilidade. E o custo é bem competitivo. Estamos junto aos três mais competitivos.
E em qual especialidade somos melhores?
Temos que avaliar o caso de negócios em função do tamanho da encomenda. Onde é necessária mais flexibilidade é nos lotes pequenos, medianos, não nos de alto volume. Nestes, independente do componente, não somos bem competitivos. Porque todos os lotes que temos, inclusive com as montadoras grandes, são de porte médio. Quando se pensa na produção automotiva global falamos de 90 milhões, 95 milhões de carros dependendo do ano. O Brasil produz 2,5 milhões a 3 milhões. Somos 2%, 3%. E com este porcentual atendemos dez, doze montadoras. Destas montadoras você tem diferentes modelos, não é que fabricam só um modelo. Então todo lote que a gente produz não é um lote de alto volume. Por isto temos capacidade de produzir muitos diferentes tipos de componentes e sistemas, com diferentes tecnologias, com uma base de fornecedores boa, flexível, mas não com tanta flexibilidade. Somos competitivos nos lotes menores, medianos e para o aftermarket.
A Bosch tem algum projeto de retirar os próprios itens que ela produz e, a partir disto, remanufaturar, reutilizar ou reciclar?
Já temos linhas de remanufatura em Curitiba para componentes. E é um negócio superinteressante porque tem valor agregado. Estamos profissionalizando a gestão de reciclados na América Latina. Tivemos tanto sucesso em fazer uma gestão profissional dos scraps, nas plantas, como negociar isso, que começamos um negócio global. Hoje o Brasil cuida das reciclagens globais de todas as plantas. Temos uma equipe no Brasil que cuida, tem funcionários em diferentes países, mas o responsável, o grupo que controla, organiza os processos, está no Brasil. Porque nós começamos a fazer primeiro e somos bons. Tivemos sucesso aqui, estabelecemos processos, eu consigo saber quem vai comprar, os preços transparentes, licitações a cada três meses. E funcionou tão bem que falamos que gostaríamos de fazer no México. O México foi uma boa prova. Na Europa, na Ásia, estamos fazendo a gestão global da reciclagem. Assim asseguramos o melhor preço e a reutilização do material. Agora temos garantia de que vai ser reutilizado o alumínio, o aço.
Esse negócio ainda pode evoluir?
Estamos pensando nisso. Dar um passo mais à frente. Queremos desenvolver uma plataforma que está sendo elaborada dentro desta área de novos negócios digitais para fazer a coleta nas oficinas. Já descobrimos que não serve realizar esta operação apenas nas lojas Bosch Service, não adianta. Temos 2,5 mil oficinas. Estamos pensando em um novo conceito e conversando com algumas montadoras. Vamos fazer um sistema, tipo um Uber, que possa coletar os resíduos, os óleos, os filtros, as peças de uma região específica de todos os fabricantes, não só Bosch. E vamos dar o tratamento conforme nossos processos. Para reciclar o que se pode reciclar, remanufaturar o que pode ser remanufaturado, e o que tem que ir para a disposição final, nós garantimos que será tratado da forma certa para não ter nenhum tipo de aterro, e nada que não corresponda. E isso seria um negócio. Queremos ser a plataforma para que a indústria possa se organizar.
Como está a perspectiva sobre os resultados da Bosch este ano?
Tudo indica que vai ser maior o faturamento. Estamos em um ano novamente bom de crescimento, esperamos um crescimento de 10% a 12% sobre o faturamento. Ou seja: continuamos em um caminho bem positivo. A parte do negócio industrial está sofrendo mais, não só o Brasil, mas globalmente. Nesse segmento não cresceremos nem recuaremos no Brasil, e este desempenho é significativamente melhor do que o global, que está em menos de 15%, uma situação muito mais complexa. Por outro lado o setor automotivo está puxando. O automotivo está muito forte. O automotivo está muito bem, com 65% dos negócios este ano.