SÓ PARA ASSINANTES: Paguei R$ 1 mil para compensar todas as emissões dos carros que dirigi nos últimos doze meses. É possível contribuir com o meio ambiente gastando pouco.
São Paulo – A transformação pela qual a indústria automotiva passa, embalada pela necessidade de eliminar o CO2 emitido por veículos, traz à cena uma série de tecnologias que poderão contribuir para reduzir a emissão de GEE, gases de efeito estufa, e tentar frear o aquecimento global, que já causam diversas catástrofes e bilhões de dólares em prejuízos. Os veículos elétricos e híbridos são as alternativas mais desejadas no momento, mas, observando todos os impactos ao meio ambiente e as emissões do berço ao túmulo, eles estão muito distantes do objetivo de fazer qualquer diferença nessa equação.
A solução, como começam a admitir os líderes que até ontem afirmavam que o futuro dos carros era exclusivamente elétrico, virá a partir da utilização de diversas soluções que, combinadas, farão da mobilidade o exemplo a ser seguido por outras atividades, como o agronegócio e o desmatamento, os maiores poluidores do Brasil e do planeta.
Por ironia, neste contexto, a alternativa mais eficiente contra o CO2, e que deveria ter sido adotada com mais entusiasmo pela mobilidade há décadas, é justamente a que está sendo exterminada pelo fogo. Estamos falando da agricultura regenerativa e das árvores, por meio da compensação ambiental de emissões.
Nos últimos quatro anos tomei a iniciativa de fazer a compensação de CO2 de carros que utilizo na atividade profissional. Inicialmente isto foi feito por meio de um programa de financiamento do plantio de árvores, para observar e aprender sobre o impacto deste modelo de compensação e sua correlação com as emissões dos veículos.
Neste período, durante a avaliação dos dados com os especialistas, aprendemos bastante sobre como são as emissões automotivas individuais. E hoje é possível afirmar que parece cada vez mais racional que, ao utilizar a agricultura regenerativa ou o plantio de árvores de forma correta, com assistência especializada, encontra-se uma forma efetiva de curto prazo e mais racional para absorver a emissão de CO2 da mobilidade.
CONTAS DA COMPENSAÇÃO
No último período de captação dos dados dos vinte veículos utilizados, em 2023 e neste ano, foram consumidos 1 mil 875 litros de combustível somando gasolina, etanol e diesel. Também rodei com veículos elétricos e híbridos. Estes, por causa da metodologia do Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa, cujos resultados formam a base de dados oficial de emissões de todas as atividades no Brasil, tiveram contribuição pouco significativa – menor, inclusive, que a dos veículos que rodaram só com etanol. Para efeito de cálculo a ferramenta também considera a emissão a partir do impacto causado no processo produtivo das baterias, que é maior da que ocorre durante sua utilização do automóvel eletrificado.
No total dirigi os vinte veículos por 20 mil 611 quilômetros, o que gerou a emissão de 3 mil 362 quilogramas de CO2 equivalente. Convenhamos, é um resultado marginal considerando a frota em torno de 62 milhões de veículos circulando no Brasil. É preciso ressaltar que as emissões da frota nacional é algo incalculável, pois há diversidade muito grande: são automóveis e caminhões velhos e mais novos, com tecnologias de contenção de emissões da mais variadas, o que impossibilita às entidades fazer um cálculo apurado.
Segundo dados do recém-apresentado estudo Avançando os Caminhos da Descarbonização no Mercado Brasileiro, encomendado ao Boston Consulting Group pela Anfavea, a associação dos fabricantes de veículos, os transportes representam apenas 13% das emissões totais de CO2 equivalente no Brasil, de quase 1,7 bilhão de toneladas em 2022. O porcentual fica somente pouco acima dos 12% emitidos na geração e no uso de energia [sem transportes] e bastante abaixo dos 37% que foram emitidos pelas atividades de agropecuária e dos 29% na “mudança de uso de terra” – eufemismo para desmatamento e queimadas.
AGRICULTURA REGENERATIVA
Como o assunto da compensação ambiental é algo pouco conhecido no universo automotivo, primeiramente é preciso compreender o que é medida CO2 equivalente e qual a sua importância: é uma referência internacional que “agrupa a emissão de diversos gases como metano, carbono e óxido nitroso, dentre outros”, segundo Fernando Beltrame, CEO da Eccaplan, a consultoria de meio ambiente que aceitou o desafio de contabilizar e realizar os cálculos individualizados das minhas emissões automotivas, definir qual o melhor processo e executar a compensação utilizando o método da agricultura regenerativa, o que permitiu o registro desta iniciativa no Inventário Brasileiro de GEE.
Paguei com recursos próprios R$ 1 mil por este serviço de consultoria e para comprar os créditos de carbono, uma atitude que poderia ser feita por qualquer um dos leitores.
“Todos os gases de efeito estufa que foram listados pelo Protocolo de Quioto são convertidos para CO2 equivalente, que é uma medida universal. Cada 1 mil kg de CO2 são compensados por um crédito de carbono. O mercado convencionou isso como um mecanismo de incentivo para projetos de empresas, ONGs e sociedade civil que desejam ter essas iniciativas”, explica Beltrame a respeito da obtenção dos créditos. No caso eu emiti CO2 suficiente para adquirir quatro deles, equivalentes à compensação de 4 toneladas emitidas, um pouco menos do que tudo que foi emitido pelos vinte veículos durante o meu uso.
O processo para a obtenção dos créditos pela agricultura regenerativa é bem interessante. A Eccaplan faz a medição em áreas com plantio, no caso a cultura de café em fazendas certificadas, antes e depois de práticas agrícolas específicas. A comprovação de que a quantidade de carbono foi de fato acumulada no solo ao longo do tempo é feita após a verificação por uma terceira parte isenta – ou seja, não é a Eccaplan nem os administradores da fazenda que permitem a autorização para a geração de créditos de carbono comercializáveis.
“O projeto adotado para a compensação do Leandro, o Terrus Carbon Coffee, contempla produtores de café no Sul da Minas Gerais. Eles se submeteram a praticar recomendações agrícolas específicas que, além de aumentar o carbono no solo, preservam a biodiversidade e melhoram a qualidade dos lençóis hídricos do entorno. São culturas perenes, que estarão nestes solos por muitos anos”, conta Natalia Buchwitz, head de consultoria da Eccaplan. Ela acrescenta: “Não se vende este tipo de crédito a futuro. Os projetos mais consolidados e mais usuais do mercado são aqueles onde já existe o crédito disponível, você já entregou isso, a captação do carbono no solo. E aí você tem a oportunidade de comercializar, de compensar”.
DIESEL E GASOLINA EMITEM MAIS
Analisando o resultado da tabela para cada veículo é possível comprovar que: quanto mais rodar, mais vai emitir, e o combustível faz muita diferença na quantidade das emissões. Esse exercício permitiu, também, fazer algumas comparações e constatações que podem, inclusive, servir de parâmetro para a escolha de um veículo por parte de um consumidor, digamos, mais consciente.
No entanto, infelizmente é preciso dizer que as pessoas não se preocupam com o que sai dos escapamentos por causa das características do gás carbônico: ele é incolor, não tóxico e circula livremente pela atmosfera, também é inodoro, portanto não há interação perceptível com o CO2. Vários especialistas em meio ambiente acreditam que as sociedades não avançam na eliminação dos gases de efeito estufa justamente porque aquilo que não vemos e não tocamos passa despercebido, não importa.
Mas olhando para o resultado de veículos tão diferentes como o Ford Mustang Mach 1 e o Audi Q5 S Line, percebe-se a diferença que faz o consumo. Ambos rodaram cerca de 1 mil km. Mas a diferença de consumo, 6,4 km/l do Mustang contra 10,2 km/l do Q5 gerou quase 250 quilos de CO2 no superesportivo ícone da Ford, contra 195 quilos do SUV alemão.
Para efeito de comparação de como o sistema híbrido leve pode contribuir para reduzir emissões é só olhar para o resultado do Land Rover Defender 130. Rodando perto de 1 mil km com seu motor 3.0 turbodiesel e uma pequena bateria, que usa sua energia somente para um impulsor elétrico que ajuda nas partidas, algo imperceptível pelo motorista, as emissões ficaram 25 kg de CO2 acima das do Mustang, que não usa o sistema mas tem motor a gasolina.
O Defender deveria ter uma emissão muito maior por consumir diesel em vez da gasolina no Mustang. Utilizando a referência de quantas árvores deveriam ser plantadas para compensar, um exercício que foi feito pela Eccaplan para termos mais um parâmetro do que representa a emissão de CO2, percebe-se que o resultado entre os dois modelos é quase igual.
Mas observando o comportamento do veículo com o qual mais rodei, o Jeep Compass TD350 Limited, com motor turbodiesel, numa viagem de quase 4 mil km, têm-se a dimensão do impacto das emissões: foram mais de 705 kg de CO2, sendo necessário plantar ao menos quatro árvores para compensar este impacto na atmosfera.
Em mais uma comparação o segundo veículo mais rodado, o Ford Maverick FX4, com 2,8 mil km, abastecido com gasolina, e com consumo bem inferior, de 9 km/l, emitiu quase 200 kg de CO2 equivalente a menos que o Jeep Compass a diesel.
Já os pouquíssimos veículos que rodaram com etanol – algo feito de propósito, para verificar o grande impacto dos combustíveis fósseis – demonstram que, de acordo com os critérios dos cálculos, são muito mais limpos. O Citroën C3 com seu motor 1.6 de 120 cv não chegou a emitir 1 kg de CO2 em 600 km rodados.
HÍBRIDOS E ELÉTRICOS
Em outra comparação interessante, basta verificar na tabela as emissões dos BYD híbrido e elétrico. O híbrido plug-in Song Plus MD-I, com consumo de energia informado no painel de 28,6 kWh/100km teve, pelos critérios do Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa, emissão de 6,8 kg de CO2 nos mesmos pouco mais de 600 km rodados do Citroën C3.
Já o elétrico puro BYD Dolphin, que informou o consumo de 14,5 kWh/100km, emitiu quase 4 kg de CO2 em 700 km. Fatores como a pegada de carbono na produção do veículo, que utiliza matérias-primas como lítio e cobalto – minerais com alto impacto de emissões para sua extração – na composição da bateria são levados em conta para o cálculo.
Além disso Fernando Beltrame esclarece que as fórmulas utilizadas pelo Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa, considerando o GHG Protocol, a referência global para cálculos de emissões em todos os setores, “estão sendo atualizadas constantemente, porque as tecnologias evoluem e novos produtos precisam ter sua pegada de carbono quantificada”.
Dessa forma, segundo a planilha do GHG Protocol, o veículo 100% elétrico, considerando esses impactos da produção e recarregado na rede comum de eletricidade, tem fator de emissão, em 2023, de 0,0385 tCO2 /MWh, causando, assim, a emissão de cerca de 1,1 kg de CO2 por 100 km rodados.
O aprendizado de como se comportam as emissões dos veículos na prática continuam. Já estou contabilizando o combustível, as quilometragens e os consumos de outros carros utilizados até agora. A ideia é aumentar o escopo da compensação, acrescentando outras atividades, como os voos para a cobertura de eventos. Por enquanto dá para dizer com orgulho que em doze meses paguei R$ 1 mil para não emitir um grama de CO2 enquanto dirigia a trabalho.
Nota do editor: esta reportagem faz parte da Revista AutoData, edição 415 de outubro de 2024