São Paulo — A presença de mulheres na indústria automotiva, em cargos relevantes, vem avançando mas ainda tem muito a melhorar a fim de tornar o ambiente de trabalho e suas oportunidades mais equitativos. E requer planos para que representantes do sexo feminino conquistem posições de destaque.
Foi o que avaliaram em uníssono executivas da área de sustentabilidade que estão sendo protagonistas no processo de descarbonização do setor e que foram entrevistadas pela Agência AutoData para este Dia Internacional da Mulher. Para todas elas a autoconfiança vem sendo companheira inseparável na busca por seu lugar no setor.
Elas relataram a importância de manterem-se curiosas e deterem o conhecimento e a técnica para enfrentar inevitáveis e indesejáveis episódios de preconceito, reuniões em que a presença masculina é predominante e situações em que questionamentos são feitos única e exclusivamente porque a informação é proferida por alguém do sexo feminino.
Cristiane Mota, diretora de sustentabilidade, meio ambiente, saúde e segurança na Eaton América Latina, avaliou que nos dias atuais as mulheres engenheiras têm mais espaço e não precisam enfrentar as mesmas dificuldades pelas quais passou.
“Com a maior atenção à inclusão e à diversidade o espaço de trabalho tornou-se mais semelhante, mas o empoderamento feminino ainda é fundamental neste processo em construção. Já passei por situações em que eu era a pessoa técnica e o diretor chamava o gerente para perguntar se o que eu dizia estava certo. Frente a isto você tem duas opções: se encolher ou se posicionar.”
O estudo foi sempre presente na vida da executiva da Eaton, que concluiu cinco pós-graduações: “É preciso se preparar, ter um propósito e acreditar que algo mudará, ter respeito, amor próprio e resiliência. Além de não se calar”.
A gerente de responsabilidade social da Renault, Graziela Pontes, sustentou a importância de manter-se curiosa e alimentar a sede do conhecimento. Formada em publicidade e propaganda ela se graduou também em pedagogia social e se pós-graduou em sustentabilidade e ESG.
Ela contou que o que a ajudou muito foi ingressar em grupo de mulheres que compõem rede de apoio de sustentabilidade: “Participam lideranças de diversos setores industriais, que levam decisões ao mais alto nível da empresa. Compartilhamos dúvidas de áreas técnicas e trocamos informações sobre o tema. Isto é muito importante para que haja o avanço da equidade de gêneros”.
Desde 2020 Pontes ocupa a cadeira de diretora executiva no Conselho do Instituto Renault e dá aulas como professora convidada na PUC PR sobre o tema. Agora deseja dedicar-se também ao sonho de ser mãe.
Mônica Panik, especialista em hidrogênio e célula a combustível e consultora, mentora da mobilidade a hidrogênio da SAE Brasil, coordenadora do sub-grupo G8 H2 da indústria do MiBi, Made in Brazil Integrado, relatou que nunca teve problema com o fato de não ser engenheira – ela cursou comunicação social com especialização em publicidade e propaganda e fez MBA em marketing.
Mas, quando mudou-se para a Alemanha, diante de dificuldades perguntava-se se o problema estava no fato de ser estrangeira, mulher ou dos dois: “Aqui a concorrência e o individualismo são acirrados e eles já avisam para não se levar nada para o pessoal, e que é preciso aprender a trabalhar com pessoas de quem você não gosta”.
Ela sustentou que o caminho é o aprendizado e que se uma profissional foi chamada para determinado trabalho foi por alguma razão: “É preciso acreditar que você possui o conhecimento que outros não têm. Agora, se entrar se sentindo por baixo, sem autoconfiança, só saber como fazer não é o suficiente. Já passei por situações de frustração e sofri bullying porque as pessoas não sabiam de minha competência e eu não conseguia exprimi-la”.
Com quase três décadas de experiência com hidrogênio Panik foi mãe de gêmeos aos 47 anos, em meio ao projeto de mobilidade urbana no Brasil, e mais uma vez atribuiu ao conhecimento a flexibilidade que tinha nos horários de trabalho, o que ajudou a conciliar a maternidade. O fato de manter um apartamento em São Paulo, onde nasceu, também pesou a favor nas vindas ao País a trabalho com seus filhos a tiracolo.
Na Alemanha, contou, a diversidade passou a ser exigida pelo mercado desde a pandemia. Instituições começaram a ter de apresentar equipe de pelo menos 30% de mulheres para que projetos fossem validados. Para palestras e apresentações em eventos tornaram-se inaceitáveis painéis que não tenham ao menos 50% de representantes do sexo feminino: “Isto fez com que a busca por especialistas crescesse e as mulheres passassem a ter mais espaço e oportunidade para compartilhar seu conhecimento”.
Panik, que, diferentemente de Mota e Pontes, não fez especializações na área, aprendeu seu ofício e tornou-se expoente na prática. Lembrou que, diferentemente de hoje, antes o que mais importava era a experiência profissional.
“Fui lendo e aprendendo com as pessoas com as quais trabalhei. Voltei às aulas de química e física. A sorte é que ninguém sabia muito sobre hidrogênio e célula a combustível. Comecei na área de transportes e tive de sair disseminando esta tecnologia pelo mundo – missão em que a comunicação me ajudou muito. Na indústria também não existiam todos os componentes desses sistemas. Os engenheiros faziam maquetes e apresentavam às empresas”.