AutoData - Adeus ao Projeto Cyclone na Argentina
Indústria
07/04/2020

Adeus ao Projeto Cyclone na Argentina

Imagem ilustrativa da notícia: Adeus ao Projeto Cyclone na Argentina
Foto Jornalista Argentina Autoblog

Argentina Autoblog

Buenos Aires, Argentina – O Projeto Cyclone na Argentina está cancelado. A aliança global da Ford com a Volkswagen para desenvolver picapes, veículos comerciais autônomos e elétricos segue em nível mundial. Porém fornecedores, sindicatos e profissionais próximos ao projeto na Argentina confirmaram: as conversações para produzir veículos em conjunto foram arquivadas.

 

A primeira publicação dessa notícia ocorreu com algumas horas de diferença na sexta-feira, 3, nos diários econômicos mais importantes da Argentina: Ámbito Financiero e El Cronista.

 

Nota do editor: A reportagem reproduzida na íntegra a partir do próximo parágrafo é do jornalista argentino Carlos Cristófalo, editor do site autoblog.com.ar o principal veículo online especializado no setor automotivo no país vizinho. Faz parte de acordo de cooperação da AutoData com o Autoblog na troca de conteúdos de interesse para ambos os públicos.

 

O objetivo do Projeto Cyclone na Argentina era produzir a nova geração das picapes Ranger e Amarok na unidade da Ford em Pacheco. A VW já havia confirmado o desenvolvimento desses novos produtos e também mostrado uma imagem oficial do que deverá ser o novo produto.

 

Autoblog fez contato com fontes, dentre fornecedores, sindicatos e pessoas envolvidas com o projeto, para indagar sobre outras razões desse concelamento. As informações foram passadas de duas maneiras: fontes oficiais e extraoficiais.

 

As fontes oficiais das duas marcas divulgaram as seguintes declarações corporativas:

 

Volkswagen: “Juntos estamos trabalhando em nossos planos para a ambiciosa colaboração global da Ford com a VW em veículos elétricos e autônomos, vans e picapes médias. Esperamos proporcionar conjuntamente uma atualização de nossa associação e informaremos em breve os pormenores desse projeto. Não há mudanças nos planos atuais da Volkwagen Argentina e esperamos ansiosos o novo Projeto Tarek”.

 

Ford: “Os planos da Ford para a Ranger na América do Sul não mudaram e estamos comprometidos em ser competitivos no segmento de picapes médias na região. Não fazemos comentários sobre os negócios de outras empresas”.

 

Estes foram os posicionamentos on-the-record dos respectivos porta-vozes de VW e Ford. Mas quando o microfone é desligado, o que informam outros protagonistas, fornecedores, sindicatos e demais envolvidos no Projeto Cyclone na Argentina?

 

Autoblog dialogou off-the-record com cinco fontes para elaborar essas respostas para as perguntas frequentes.

 

Quem tomou a decisão de cancelar o Projeto Cyclone na Argentina?

Fontes ligadas à VW responderam que “foi uma decisão tomada pelas duas empresas”. Já as fontes ligadas à Ford, fornecedores e sindicatos, dizem que a decisão inicial foi tomada pela Volkswagen América Latina. A liderança regional conseguiu a aprovação para o cancelamento na matriz e informou os responsáveis da Ford na América do Sul. Na semana passada a Ford anunciou a notícia a todos os fornecedores e sindicatos que vinham trabalhando na cotação das peças para produzir as novas picapes em Pacheco a partir de 2022 ou 2023.

 

Por que a VW América Latina daria o primeiro passo para essa tomada de decisão?

Desde que foi anunciado o Projeto Cyclone a VW Argentina não via com bons olhos que seus vizinhos, na Ford, fabricassem a próxima Amarok. Inclusive os diretores regionais da marca alemã chegaram a negar a existência desse projeto de picapes gêmeas na Argentina. Porém o Projeto Cyclone na Argentina, de fato, existiu. Desde setembro de 2018 o encarregado de levar adiante as negociações por parte da VW foi o executivo alemão Heiner Lanze. A Amarok é uma conquista da VW Argentina, o primeiro país que fabricou uma picape média em toda a história do Grupo Volkswagen. É um orgulho da filial local, porque teve um bom resultado de vendas na Argentina, superando várias vezes a Ford Ranger. Mas no resto do mundo a Amarok nunca chegou perto do desempenho de vendas da Ranger.

 

Por isso mesmo para o Projeto Cyclone, em nível global, a VW cedeu à Ford o desenvolvimento da próxima geração da Amarok. A Ford é reconhecida pela experiência em picapes. A picape mais vendida do mundo é a Ford Série F. Parece lógico que nessa aliança a VW passaria para a Ford o desenvolvimento da próxima Amarok, assim os alemães continuariam concentrados em outros projetos.

 

E assim seguimos sem compreender por que o Projeto Cyclone foi cancelado na Argentina. Houve uma questão de orgulho e competição, por um lado. E também uma questão relacionada à crise, por outro.

 

Na VW Argentina muita gente, incluindo o sindicato, não queria perder a produção da Amarok para seus vizinhos da Ford Pacheco. E a crise de vendas e produção, somada à paralisação industrial e as incertezas que gerou a pandemia do coronavírus, formaram o cenário apropriado para cancelar um projeto que nunca convenceu a todos.

 

Isto significa que na Argentina não veremos as novas Ranger e Amarok?

 

Não necessariamente. Ford Argentina segue adiante com seus planos. A planta de Pacheco continua brigando para ser escolhida para fabricar a próxima Ranger. A data estimada para apresentação do novo modelo segue a mesma: em 2022 ou 2023.

 

A Volkwagen Argentina seguirá fabricando a atual Amarok até uma nova decisão. Mesmo sendo a picape média mais antiga do mercado – lançada em 2010 – as vendas locais continuam bem. Ela seguirá recebendo atualizações periódicas até nova decisão. Se em algum momento a VW decidir vender na Argentina a nova geração da Amarok desenvolvida na aliança com a Ford, esta seria importada. Tudo indica que será fabricada na África do Sul ou Tailândia.

 

Como fica a relação da  Ford com a VW depois desse cancelamento?

Em nível global, sem novidades. A aliança seguirá adiante porque é conveniente às duas empresas: desenvolver produtos em conjunto e compartilhar tecnologias permite reduzir muitos custos.

 

E na Argentina?

As realções ficaram abaladas. Nos últimos dias surgiram sentimentos de rancor que não se viam desde os tempos do fim da Autolatina, a sociedade da Ford e VW nos anos 1980. Há sinais de culpas e acusações cruzadas, de um lado e de outro da cerca que separa as duas fábricas.

 

A Ford ganhar ou perde com o fim do Projeto Cyclone na Argentina?

A Ford perde. Por mais que produza a nova Ranger em Pacheco, ao perder a VW como cliente terá que afinar os números para dar sustentabilidade ao novo projeto. Não é a mesma coisa produzir 90 mil unidades/ano de picapes gêmeas e ter apenas 50 mil unidades feitas de um só produto. A Ford fica em uma posição complicada, similar ao que ocorreu com a Nissan em Córdoba quando a Mercedes-Benz cancelou a Classe X e a Renault postergou a produção da Alaskan.

 

A Volkwagen ganha ou perde com o fim do Proejeto Cyclone na Argentina?

É difícil dizer isso agora. A VW Argentina hoje está concentrada no projeto Tarek e vem trabalhando também para conseguir abrigar o projeto Tarok, uma picape compacta para competir com a Fiat Toro. Poderia perder em médio prazo, mas só se a Amarok começar a perder vendas pela idade do produto e sem ter uma nova geração produzida no país à vista

 

Quem também perde com o fim do Projeto Cyclone na Argentina?

Perdem os fornecedores, que durante o último ano trabalharam no desenvolvimento de peças e orçamentos para produzir picapes modernas e de grande volume em uma só fábrica. Inclusive eles trabalharam outras versões sob a mesma carroceria: dois possíveis SUVs usando a base da picape para competir com Toyota SW4 e Chevrolet Trailblazer.

 

Esses fornecedores mantiveram, ao menos, a esperança da produção da nova Ranger em Pacheco. Outra perdedora é toda a indústria automotiva argentina. Com apenas um ano de diferença este é o segundo grande projeto de picape cancelado – por desentendimento das partes e também por negociações desgastadas por conta da incerteza econômica no país – depois do escândalo Nissan-Mercedes-Benz em Córdoba.

 

Alguém ganha nesse contexto?

Só é possível dizer que ganham os competidores dessas duas picapes, como a Toyota. A Hilux é a picape mais vendida, produzida e exportada da Argentina. Ford Ranger e VW Amarok ocupam o segundo e terceiros lugares, respectivamente.

 

As novas Ranger e Amarok, produzidas com custos mais competitivos em uma só fábrica em Pacheco, com novas tecnologias e grande variedade de versões, seriam capazes de ameaçar o reinado da Hilux?

 

Nunca saberemos.

 

Foto: Divulgação.