Piracicaba, SP — O etanol, desde que consolidou sua posição no mercado nacional, é a jabuticaba que o Brasil sonha levar a outros países para transformar-se numa alternativa global de baixo carbono no ramo da energia e da mobilidade. Já assistimos esse filme algumas vezes. Mas agora, para a Volkswagen, o etanol poderá ser um elemento de transição para a eletrificação. E até mais que isso.
Muitos ficaram confusos no início do mês com o anúncio de que o Brasil será, a partir de agora, o centro de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis da companhia. A Volkswagen, que pretende lançar 130 veículos elétricos e híbridos até o fim desta década e que vai gastar € 35 bilhões somente na eletrificação?
“Tive a sorte que o Conselho da VW achou a ideia boa”, explicou o presidente Pablo Di Si, que levou essa proposta para a Alemanha. O Conselho concordou com o projeto do executivo argentino e determinou que essas soluções de baixa emissões com biocombustíveis serão “regionais e complementares à estratégia de eletrificação”.
Os primeiros passos dessa iniciativa da Volkswagen são no caminho da “transversalidade”, como classificou Di Si, que busca diálogo e ações com outros setores. Não à toa, ele organizou evento para demonstrar a vanguarda tecnológica do Centro de Tecnologia Canavieira, CTC, em Piracicaba, SP. A biotecnologia e o melhoramento genético aplicados pelo CTC para extrair maior eficiência e produtividade na geração de bioenergia a partir da cana-de-açúcar é um negócio tão grandioso e promissor que a empresa, que tem as grandes usinas em seu conselho de acionistas, estuda lançar oferta pública na B3 muito em breve.
Estavam presentes nesse evento com Di Si para ressaltar que “o etanol é o caminho para a mobilidade sustentável” o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, a Unica e, também, o presidente do Conselho de Administração da Copersucar, importantes e tradicionais atores do universo sucroalcooleiro do País.
Durante o encontro, e nas conversas presenciais com todos os cuidados devidamente respeitados, percebeu-se que algumas oportunidades já estão mapeadas pelo grupo transversal liderado pela Volkswagen: o incrível potencial da biomassa para a geração de energia elétrica, a melhor eficiência em emissões no ciclo de vida de carros híbridos flex e a Índia.
Di Si e Evandro Gussi, presidente da Unica, não só elencaram diversas sinergias possíveis para a transferência de tecnologia como já articularam junto à representação indiana no Brasil possíveis entendimentos para que essas oportunidades se transformem em projetos e em negócios.
O raciocínio para a Volkswagen seguir pelo caminho da bioenergia e do etanol está levando em consideração as dificuldades para a introdução de veículos elétricos em economias emergentes durante as próximas décadas, numa perspectiva bastante otimista. Outras fabricantes com participação expressiva no Brasil também compreendem o desafio de que a conta da eletrificação em massa não vai fechar nem para a indústria, muito menos para o consumidor.
Mas como abrir mão do mercado de quase 4,5 milhões de veículos na América do Sul e Central, além de outros 4 milhões só na Índia – com potencial para mais? E o continente africano ainda nem faz parte dessa matemática, dessa dúvida cruel para os negócios.
Nesse momento a engenharia nacional entra em campo estimando que um veículo rodando somente com etanol durante seu ciclo de vida de 200 mil quilômetros emitirá 93 gCO2e/km. Isso é menos do que um veículo elétrico, segundo os cálculos fornecidos pela Volkswagen, que seria de 95gCO2e/km. O cálculo para a emissão do ciclo de vida de um veículo híbrido flex ainda é mais favorável: 86 gCo2e/km.
“Se no ciclo de vida com etanol há vantagem nas emissões, por que pensar apenas na eletrificação? Precisamos olhar para essas alternativas como um cardápio”, disse Di Si, que determinou que a frota de veículos utilizados pela Volkswagen no Brasil passe a utilizar apenas etanol.
Ele pretende levar adiante com o mesmo entusiasmo que convenceu o Conselho na Alemanha um projeto ambicioso para “desenvolver pessoas, conhecimento e tecnologias, exportar e monetizar soluções locais”. Motores híbridos flex e transmissões devem estar no cardápio para exportação com a liderança do Brasil em biocombustíveis no universo VW.
No CTC, Pablo Di Si mencionou diversas vezes a jabuticaba como um exemplo de que o que estava propondo não seria, mais uma vez, iniciativa que acabaria utilizada apenas no quintal de casa, no mercado interno. Seu compromisso para que isso não aconteça está em um dos pilares da estratégia para trazer o centro de excelência em etanol e biocombustíveis: assegurar a relevância estratégica da região para o Grupo. Ainda mais numa organização do tamanho do Grupo VW.
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