Redução do IPI anunciada pelo governo terá efeitos distintos de acordo com a motorização do veículo
São Paulo – O cenário marcado por preços de veículos nas alturas e volume de vendas que retrocede dezessete anos, em meio à persistente crise de abastecimento de semicondutores, contribuiu para a decisão do governo federal, em 25 de fevereiro, de reduzir as alíquotas de IPI de todos os itens industrializados para aquecer a economia. Analistas alertam, no entanto, que o impacto na diminuição nos custos, em alguns casos, pode ser neutralizado pelos reajustes anunciados pelas montadoras a partir deste mês, exatamente quando a redução tributária começa a valer.
Ponderados os fatores Cássio Pagliarini, diretor de estratégia da Bright Consulting, avaliou que a diminuição do IPI, que no caso dos veículos é de 18,5% – enquanto que para o restante da indústria chega a 25% –, poderá se traduzir em volume adicional de vendas de 100 mil a 150 mil unidades ao longo de 2022. Apenas para efeito de comparação em janeiro foram comercializados 126,5 mil automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus.
Na prática o reflexo nos preços varia de acordo com a motorização do veículo e o volume de suas cilindradas. Por exemplo: um carro 1.0 que até o fim do mês passado recolhia 7% de imposto agora pagará 5,7%, independentemente do combustível. Modelos até 2.0 movidos a gasolina, que antes pagavam 13%, agora recolherão 10,5%. Se for flex a alíquota de 11% passou para 8,9%: confira na tabela abaixo.
Segundo Pagliarini haverá efeitos distintos: “O segmento de entrada tem elasticidade maior, porém a redução de preços é menor. Nos segmentos nos quais o IPI atual é maior as reduções também serão maiores, mas a elasticidade é menor do que nos segmentos de entrada”.
Em outras palavras: automóveis 1.0 poderão ter redução no preço final de 1,2%, ou seja: um modelo que custasse R$ 100 mil até então, poderá ter uma redução de R$ 1,2 mil no preço final, desde que repassado o desconto no tributo. Acima dessa motorização até 2.0, de 1,8% a 2,1%. Seguindo mesmo exemplo de valores, a diminuição é de R$ 1,8 mil a R$ 2,1 mil.
“Isso na teoria”, ponderou o consultor da Oikonomia, Raphael Galante. “A realidade é que, na virada do mês, pelo menos quatro montadoras já majoraram seus preços, em média, em 3%, com produtos chegando a 10% de alta. Dessa forma no geral nada muda e não se tem a melhora esperada da indústria, pois o preço continua subindo por causa da pressão inflacionária da falta de componentes.”
Galante reconheceu, entretanto, que há exceções à regra, e algumas poucas montadoras diminuíram em torno de R$ 1 mil os valores: “Na prática essa redução de imposto é mais para inglês ver. Porque além desses fatores o Brasil sofre de problema estrutural e não pontual. O carro zero mais barato do nosso mercado custa R$ 70 mil, enquanto que a renda per capita do brasileiro é de R$ 25 mil. Se o poder de compra da população não aumentar continuaremos nesse marasmo por muitos anos. A medida, portanto, alivia, mas é paliativa, não resolve”.
Pagliarini apontou que provavelmente os órgãos fiscais permitirão o refaturamento dos veículos no estoque das concessionárias: “Com todos os aumentos de preços efetuados durante a pandemia, e principalmente pela escassez de componentes, os veículos vinham sendo comercializados até dezembro com margens cheias, tanto para montadora quanto para concessionários. Dentro desse cenário é provável que a redução do IPI seja repassada integralmente pelas montadoras e importadoras para os consumidores”.
Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, avaliou que é sempre muito bem-vinda qualquer proposta que alivie a carga tributária que incide sobre a indústria brasileira, que considera uma das mais elevadas do mundo: “Vemos com bons olhos a relevante redução do IPI anunciada na sexta-feira, sinalizando uma direção correta por parte do governo federal. A redução do custo Brasil é benéfica não só para o setor industrial mas, também, para a geração de empregos, para os consumidores e para a sociedade como um todo”.
A Anfavea defende a extinção do IPI em troca de uma simplificação tributária:
“De 40% a 50% do custo total da nossa indústria são impostos. O sistema tributário brasileiro foi criado na década de 1960, quando tudo era diferente. Hoje não é mais compatível com a sociedade em que vivemos e com a indústria que queremos. O IVA teria alíquota de 20%, por exemplo”.
Moraes disse que a redução do IPI pode ser um caminho, uma transição para a reforma tributária, com redução gradual, se possível antes da adoção da reforma.