Desde 2019 presidente da Unica, União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia, o advogado e ex-deputado federal Evandro Gussi tem sido uma voz sensata a falar sobre as vantagens do etanol para descarbonizar as emissões dos veículos mas sem confrontar o biocombustível com a outra solução mais charmosa, a eletrificação, abraçada no mundo desenvolvido e por parte da imprensa nacional com síndrome de vira-lata. Esta é, segundo ele, uma “discussão infantil”, pois não se trata “disto ou daquilo”, mas de elétricos “e” etanol – e outros biocombustíveis –, que poderão ser usados por mais de 3 bilhões de pessoas.
Gussi afirma que, mesmo se um dia sair do setor “acho que o etanol de cana ou de milho nunca sairá de mim, pois tenho orgulho de ser um cidadão de um País que há décadas constrói uma solução tão boa para o meio ambiente”.
É, de fato, uma questão de bom-senso: “Por que o País deveria desprezar uma tecnologia que já conhecemos, desenvolvemos e usamos amplamente há mais de quarenta anos?”. Gussi garante que “ninguém na Unica quer barrar os carros elétricos: eles são bem-vindos. Mas o que não pode é favorecimento com benefícios desnecessários”. Na entrevista a seguir o presidente da Unica conta como o setor está se mexendo para aumentar sua produtividade, estimular o uso de etanol – aqui e no Exterior – e como interage com governo e indústria para preservar e desenvolver o biocombustível.
Assista a entrevista com Evandro Gussi, presidente da Unica, para From the Top da edição 397 da revista AutoData.
Ou, se preferir, leia os principais momentos da entrevista.
Existe no mundo a defesa dos carros elétricos como melhor solução para descarbonizar as emissões. Aqui no Brasil já temos uma frota de baixa emissão que há mais de quarenta anos usa etanol. Neste confronto sobre qual das duas tecnologias deveria ser incentivada o carro elétrico é inimigo do biocombustível ou vice-versa?
Esta discussão me parece infantil, é como duas crianças que brigam por algo desnecessário. E este é um caso típico. Temos uma demanda por descarbonização tão grande que não dá para ficar discutindo “vai ser isto ou aquilo”. Estamos no mundo do “isto e aquilo”, em que as coisas se complementam e se somam para entregar os melhores resultados. Então o carro elétrico não é um inimigo do etanol. A eletrificação tem papel importante por ter trazido o debate da redução de emissões e será uma solução fora do Brasil e aqui também. O que não podemos é desprezar uma rota tecnológica comprovada, pensada, estudada, desenvolvida e com entregas efetivamente realizadas. Além de um passado glorioso na redução de emissões de CO2 causador de efeito estufa [estima-se que o uso de etanol no País já tenha evitado a emissão de 600 milhões de toneladas de CO2], temos um futuro fantástico para o biocombustível, que contribui muito com o Brasil e também será fundamental para a América Latina, África e parte relevante da Ásia: estamos falando de algo em torno de 3 bilhões de pessoas que precisarão de uma solução que, primeiro, traga redução efetiva de CO2, que, segundo, não demande investimento tão grande em infraestrutura como é o caso da eletrificação, e que, terceiro, não precise de subsídios aos veículos.
Em fevereiro passado a tecnologia flex fuel completou 20 anos no mercado e já foram vendidos 40 milhões de veículos bicombustível no País. Apesar de mais de 80% dos carros, aqui, poderem rodar com qualquer um de dois combustíveis menos de 30% deles usa o etanol, porque o preço do biocombustível não compensa. Recentemente o governo retomou a tributação do PIS/Pasep sobre a gasolina e manteve quase zerado o imposto do etanol, e mesmo assim continua não valendo a pena abastecer com álcool em muitos estados. O que a Unica sugere para mudar este quadro?
Uma maneira é via educação [mostrar como o etanol é melhor ao meio ambiente]: estamos fazendo isto na Unica e a imprensa tem papel fundamental, mas existe o limite da necessidade econômica das pessoas. O modelo mais eficiente é estabelecer diferença de impostos [a maior] para o combustível fóssil, que traz efeitos indesejáveis ao meio ambiente, ao mesmo em que se favorece o biocombustível com tributação menor. E garantir competitividade aos biocombustíveis já é lei no País: o Congresso aprovou, no ano passado, emenda à Constituição que estabelece diferencial competitivo ao biocombustível com relação ao equivalente fóssil. O que pode substituir o mecanismo tributário com até mais eficiência é o nascente mercado de carbono, que começou a aferir a redução de emissões proporcionada pelos biocombustíveis e a precifica o valor disto [com a venda de créditos a empresas para compensar suas emissões de CO2]. Estou falando de uma solução para o presente, o diferencial tributário, e outra do futuro, o mercado de carbono, mas há outra do passado, que é o subsídio. Muitos países ainda precisam subsidiar a energia limpa, enquanto o Brasil já conseguiu deixar para trás este tipo de política.
O RenovaBio, programa criado em 2016 para estimular a produção e o uso de biocombustíveis, também criou os CBIOS, créditos de carbono emitidos por usinas que podem ser comprados por empresas para compensar emissões de CO2. Este mecanismo está funcionando?
Os CBIOS funcionam bem e se aplicam não só ao etanol mas a toda cadeia de biocombustíveis incluindo biodiesel, biometano e a futura bioquerosene de aviação. Esta é uma grande conquista do RenovaBio: diferente de outros países que medem as emissões gerais de cada biocombustível no Brasil medimos e certificamos as emissões usina a usina. Assim monitoramos toda a cadeia de produção desde o uso de adubo nitrogenado, uso de diesel, toda a emissão líquida daquele biocombustível produzido naquele local específico. Com isto sabemos o quanto cada biocombustível de cada unidade industrial entrega de redução de emissões, assim criamos estímulo para que o produtor busque aumentar a eficiência da operação. Isto funciona tão bem que hoje temos número enorme de usinas que, antes da recertificação obrigatória de suas instalações, pedem para se recertificar voluntariamente porque identificaram e aplicaram melhorias em seus processos [e assim pode emitir mais CBIOS para negociar em bolsa].
Para ler a entrevista completa, publicada na edição 397 da revista AutoData, clique aqui.