Primeira mulher a liderar montadora de caminhões no Brasil a presidente busca aumentar a produção, sua fatia de mercado e o número de revendas. E incentivar a presença de outras mulheres na empresa e em cargos de liderança.
São Paulo – Simpática, acessível e com a capacidade de compreender o português e arriscar algumas frases completas, em apenas seis meses no Brasil, a finlandesa Larisa Gambrell, presidente da DAF Caminhões e a primeira mulher a ocupar o cargo em uma montadora de caminhões no País, recebeu jornalistas para apresentar um pouco de sua história e as projeções da marca para o futuro – entrevista que começou com ela mesma preparando e servindo café a quem não dominava a máquina no estande DAF na 24ª Fenatran, realizada de 4 a 8 de novembro no São Paulo Expo.
Sobre a feira elogiou a forma como é pensada, pois embora a estrutura grandiosa seja similar a de eventos do tipo em outros países, como nos Estados Unidos, lá a ideia é mais focada em apresentar os produtos aos visitantes enquanto que, aqui, há o claro objetivo de fechar negócios. E não são economizados esforços para tal, o que a deixou encantada.
Com fatia de 10% no segmento de caminhões acima de 15 toneladas e de 8% no mercado em geral de janeiro a outubro, o plano é continuar expandindo nesta que é segunda década da DAF no Brasil, instalada em Ponta Grossa, PR, em 2012. Nos próximos três anos faz parte da meta ampliar a participação em 1 ponto porcentual ou 2 pontos percentuais por ano, conforme forem conquistados novos clientes – com os caminhões vocacionais, por exemplo, apresentados na Fenatran – e trazidos novos produtos com melhor eficiência de combustível e zero emissão, a exemplo dos caminhões elétricos.
Gambrell contou que em 2025 a fábrica paranaense será ampliada principalmente na área administrativa e no espaço dedicado à linha de produção. Embora não tenha informado valores a cifra deverá ser expressiva, ao apontar que os recursos continuarão a ser injetados de forma consistente. Desde que abriu as portas no Brasil a DAF já investiu mais de R$ 1,5 bilhão, sendo que o ciclo recente somou quase R$ 400 milhões para ampliar a fábrica e promover a transição para o Euro 6.
Hoje produz 46 caminhões por dia – ao traduzir o número a executiva confundiu-se e disse 56, mas depois retificou a informação e a incluiu em sua projeção: “Crescemos pouco a pouco, mas de maneira firme. Embora não acredite que alcancemos este número já no ano que vem, isso é o que eu quero, chegar a 56 por dia.”
E essa expansão prevê também a contratação de profissionais. Atualmente já há cinquenta vagas abertas na empresa, que hoje soma 1 mil 50 funcionários. Destes 22% são mulheres em cargos de liderança, sendo 25% delas na diretoria e presidência – no início havia apenas uma, Jeanette Jacinto, diretora de RH desde que a empresa aportou no Brasil.
“Queremos empoderar as pessoas. Estimular o ingresso não só de mulheres e alçá-las a postos de liderança, como a entrada de novas gerações e pessoas com deficiência. E temos uma política de portas abertas, com um programa que cada trimestre leva funcionários para conhecerem a linha de produção.”
Sobre os desafios do mercado brasileiro Gambrell afirmou ser muito competitivo, mas que todos os países possuem seus percalços. Por isto sustentou a importância de, além de garantir a oferta de bons produtos, oferecer competente serviço de pós-vendas. Tanto que seu objetivo é encerrar 2024 com 75 concessionárias e pontos de apoio e, até 2029, a perspectiva é chegar a cem.
Sobre a concorrência com origem na China, contou que há um mercado para o produto chinês e um para o que a DAF participa: “Você tem que traçar o seu plano, sustentá-lo e lidar com eventuais adversidades. O produto chinês ainda sofre com a questão do valor de revenda e, em muitos lugares, não possui um pós-vendas estruturado, o que nós temos”.
Com relação a veículos menos poluentes, movidos a formas de propulsão alternativas, ponderou que os produtos existem em outros lugares e que, assim que notar a demanda do cliente poderá trazer para Brasil, a exemplo do caminhão a gás.
Perguntada a respeito do interesse da marca de trabalhar com locação – uma vez que todas as outras concorrentes já trabalham com essa alternativa no País, – a presidente apontou que esta hipótese está sendo analisada, e que a modalidade é praticada pela DAF nos Estados Unidos e no México: “Estamos há pouco mais de dez anos aqui e seguimos passo a passo. Não queremos uma trajetória curta, mas uma longevidade nesta que é a nossa segunda década no País”.
Quando ingressou na Paccar Gambrell buscava trabalho em multinacional, mas logo mirou a vice-presidência
Larisa Gambrell afirmou que se sente honrada por ter a oportunidade de liderar a operação brasileira da DAF e lembrou, prontamente, que trabalhou muito para construir sua carreira e ocupar sua cadeira. E que um pensamento recorrente seu gira em torno de como atrair mais mulheres para o setor.
Quando ingressou na Paccar, dona da DAF, dezoito anos atrás, seu objetivo era um só: trabalhar em uma multinacional que pudesse lhe custear uma especialização, como um MBA. Não teve relação direta com o segmento de atuação:
“Eu não sabia nada de caminhões. Sequer os nomes dos modelos. Mas eu queria trabalhar em uma multinacional e conquistar crescimento profissional”, admitiu, ao contar que cresceu com seus pais sempre dizendo que poderia fazer o que quisesse em sua vida, que era capaz disto.
Nascida na Finlândia, filha de mãe finlandesa e de pai equatoriano, Gambrell viveu períodos de seus 54 anos na Suécia, no Equador e na Finlândia, quando iniciou a faculdade e, pouco tempo depois, transferiu seu curso de graduação de economia de Helsinki para Washington. Chegou aos Estados Unidos aos 23 anos e viveu no país por 31.
“Houve um período em que não estava crescendo profissionalmente e, se não cresço, me sinto medíocre. Quando entrei na Paccar eu tinha 36 anos e um cargo baixo. Pensei que tinha de trabalhar para conquistar oportunidades e, em determinado momento, comecei a focar no cargo de vice-presidente.”
Na Paccar sua trajetória foi agitada. Durante vinte meses passou por treze divisões. Até que se tornou gerente de fábrica em que tinha seiscentas pessoas sob sua gestão. E seu desejo começou a aproximar-se da realidade.
A executiva relatou que em muitos momentos de sua carreira foi acometida pela famigerada síndrome da impostora, mas que, mesmo assim, nunca pensou “não sou capaz de fazer isto”, ainda que em ambiente majoritariamente masculino: “Sou uma profissional, independe do meu gênero. E se alguém tem algum problema com isto não sou eu. Então recomendo que as mulheres se preparem, assumam os riscos e não tenham medo”.
Casada com um estadunidense que trabalha em home office para a Microsoft, Gambrell não tem filhos, mas é madrasta de duas mulheres. Para relaxar da pressão do dia a dia ela não abre mão de suas aulas de spinning e ioga, da prática de musculação e caminhadas.
Contou que também ama cozinhar e viajar pelo Brasil – sua humildade transparece mesmo quando fala sobre o assunto, ao destacar lugares que gostou de conhecer e que passam longe de serem turísticos, como São José do Rio Preto, SP, e mesmo Pouso Alegre, MG.