Em visitas realizadas a 154 postos 36% deles apresentaram porcentual menor do que os 14% determinados pela legislação
São Paulo – Inspeção do ICL, Instituto Combustível Legal, em postos de combustível espalhados pelo Brasil flagrou 36% de amostras de diesel com mistura fora do padrão da legislação, que exige no mínimo 14% de biodiesel. Parte delas registrou índice inferior a 1% do biocombustível.
A ação do instituto foi feita em novembro a dezembro do ano passado, principalmente em postos de São Paulo e do Paraná. Foram 154 visitados e 55 apresentaram mistura de biodiesel abaixo da legislação e 9 com menos de 1%, segundo o ICL. De acordo com o presidente Emerson Kapaz os fraudadores sentiram-se livres para agir quando a ANP, Agência Nacional do Petróleo, anunciou que suspenderia o PMQC, Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis, nos últimos dois meses de 2024 por questões orçamentárias.
Neste contexto o instituto colocou em prática o Programa Cliente Misterioso, existente desde 2016, em que veículos descaracterizados e equipados com sistemas específicos de coleta fazem visitas a postos, simulando abastecimento comum, quando foi notado que houve desvio muito maior do que normalmente acontece sob a vistoria da agência.
Em seu levantamento o ICL apontou que 14% do combustível comercializado no Paraná e 4,3% em São Paulo apresentaram fraude. Nos dois meses iniciais de 2025 os dois estados concentraram 70% dos desvios, o que resultou na suspensão de diversas distribuidoras pela ANP.
Isto se deve ao amplo acesso ao mercado externo por meio dos portos de Paranaguá e Santos, grandes portas de entrada de diesel importado que vem, por exemplo, de Rússia e de países embargados, de onde o diesel chega mais barato e, por vezes, sequer paga impostos.
Caso recente de evasão fiscal se deu no Amapá, em que 1 bilhão de litros de diesel ingressou no Brasil sem pagar ICMS por cinco meses, o que gerou prejuízo de R$ 1,4 bilhão para vários estados, R$ 1,1 bilhão só em São Paulo, e R$ 150 milhões no Mato Grosso: “É um volume significativo que assusta”.
Carlo Faccio, diretor do ICL, contou que a força tarefa do instituto motivada pela suspensão do PMQC identificou que outro vetor de combustível sem a mistura correta foi o diesel importado, que acabou caindo nas mãos de TRRs, transportadores-revendedores-retalhistas, autorizados pela ANP a adquirirem grande quantidade de combustível a granel para vender a retalhos.
“Eles costumam entregar o combustível a clientes que não abastecem nos postos, como tratores e geradores de lavouras, e alguns deles estavam vendendo o produto chamando-o de puro. Só que isto possui série de implicações ambientais que prejudicam todo o ecossistema do setor de combustíveis.”
“Se passássemos ao B15 agora a margem dos fraudadores seria ainda maior. Pois a diferença de preços do litro do diesel com e sem o biodiesel já gira em torno de R$ 0,30”, assinalou, ao estimar que o reflexo na bomba deixa o combustível adulterado cerca de R$ 0,10 mais barato do que a média. “O resto o distribuidor embolsa.”
Iniciativa privada forma consórcio para ajudar no combate às fraudes
Entidades que buscam combater a fraude de biocombustíveis como ICL, a Fecombustíveis, Federação Nacional dos Combustíveis e de Lubrificantes, o SindTRR, Sindicato Nacional Transportador, Revendedor e Retalhista de combustível e o IBP, Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás, firmaram parceria que está sendo chamada de consórcio e também de Movimento Unidos pelo Combustível Legal, bandeira do ICL, para construir caminho a fim de aumentar o volume de informações e obter maior controle sobre a molécula.
“Se importou ou produziu 30 mil toneladas de diesel tem que sair porcentual equivalente de biodiesel, senão, tem erro”, disse Kapaz, ao citar que o objetivo é ajudar a ANP, que está fazendo trabalho cirúrgico, em sua análise, para olhar também as atividades das empresas. “Trabalha com isso, compra grande volume importado e há três meses não adquire biodiesel? Que mágica é esta?”
Decisão do governo de postergar aumento da mistura de biodiesel de 14% para 15% é vista com bons olhos pelo ICL, pois contribui para fechar o cerco às distribuidoras fraudulentas. Foto: Divulgação/Abiove, Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais
Faccio argumentou que grande percalço que favorece irregularidades é que, até então, não existia equipamento de campo capaz de verificar a qualidade biocombustível.
“Sem ele é preciso retirar amostra do produto, enviar a laboratório em Brasília [DF], que entra em um cronograma de avaliação, o que por vezes, demora até duas semanas para dispor do resultado. Neste período o revendedor já vendeu todo o seu estoque irregular.”
No início do ano, entretanto, diante de pressões sofridas, a ANP homologou aparelho de teste presencial. Doado pelo Ministério Público da Paraíba o equipamento já está em uso, e a Fundação Procon do Estado está em vias de oferecer uma segunda unidade.
O consórcio das entidades que apoiam este trabalho deverá levantar recursos para adquirir outros aparelhos, que são importados e têm custo de R$ 250 mil a R$ 300 mil. Capazes de medir tanto o biodiesel no diesel quanto o metanol na mistura com gasolina e etanol, revelam a irregularidade no ato: “É necessária integração do governo com a iniciativa privada a fim de combater fraude, perda de arrecadação, evasão fiscal e entrada do crime organizado”.
Com o avanço da parceria, que reúne as associações, as federações e os institutos em reuniões periódicas, o plano é ampliar a capilaridade a outros estados e a celeridade das fiscalizações em todo o País.