AutoData - O mundo GM na sala de guerra em São Caetano
Montadora
06/12/2019

O mundo GM na sala de guerra em São Caetano

Imagem ilustrativa da notícia: O mundo GM na sala de guerra em São Caetano
Foto Jornalista  Bruno de Oliveira

Bruno de Oliveira

Gravataí, RS – Mais do que edifícios, pátios e linhas de montagem, montadoras de automóveis representam a reunião do que há de mais avançado em diversas áreas, sejam humanas ou exatas. Se fosse um organismo vivo, o coração seria a engenharia, onde ideias tornam-se, ou não, veículos a partir de conceitos abstratos. O departamento é motivo de orgulho no universo automotivo, e talvez tenha sido por isso que Carlos Zarlenga, presidente da General Motors para a América do Sul, fez pausa reflexiva antes de responder à Agência AutoData porque aquilo tudo estava acontecendo com o recém-chegado Chevrolet Onix Plus:

 

“Você tem um processo balizado nos mais altos padrões de qualidade. A gente desenvolveu o Onix com os mesmos padrões que desenvolvemos todos os nossos veículos no mundo e a nossa expectativa no momento do lançamento era a de que, sim, era a hora de lançá-lo. Como eu disse antes, problemas acontecerão, e o mais importante é como se resolvê-los”.

 

A segunda parte da reportagem especial mostra os pormenores da estratégia empreendida pela GM para criar a atualização do software e, principalmente, para encontrar clientes e convencê-los a levar seus veículos às concessionárias para o reparo. O processo, iniciado em 5 de novembro, três dias após o executivo ter recebido a notícia do primeiro caso de incêndio, deu início a veloz e intenso intercâmbio com unidades da companhia no mundo, dezenas de milhares de ligações e e-mails e o envio de uma mensagem sincera.

 

::Especial recall do Onix Plus::
Parte 1 – O dia que abalou a General Motors
Parte 2 – O mundo GM na sala de guerra em São Caetano
Parte 3 – A mão invisível de Detroit
Parte 4 – Quando o recall deixou de ser um monstro

 

A carta – No dia 4 de novembro o mundo GM parou para ouvir o que tinham a dizer os engenheiros que estiveram no Piauí investigando a carcaça do Onix Plus incendiado. Em reunião na fábrica de São Caetano do Sul, SP, o board e representantes diretivos de equipes diversas ouviram que o software das 7 mil unidades vendidas até aquele momento precisava de atualização, e sugeriram um recall. Todos ali concordaram com a medida e a conversa se estendeu para que fosse estabelecida uma espécie de sala de guerra, dentro da qual funcionários do pós-venda teriam a missão de encontrar os carros envolvidos na campanha.

 

Mas, antes de tudo, era preciso explicar o que estava acontecendo àqueles que, segundo Zarlenga, acreditaram muito no potencial comercial do novo Onix. “Caros Concessionários”, começava a carta que o executivo escreveu e enviou à rede em 8 de novembro, dois dias após publicada a nota que tornou oficial a campanha de recall. “Gostaria de compartilhar com vocês a postura que tivemos nos últimos dias”, seguia a mensagem que tratou de apresentar as decisões tomadas pela companhia.

 

“Vou te contar uma coisa: todo mundo pode ter problemas, todas as montadoras: são produtos complexos, processos complexos e ninguém está isento de ter problemas. Aliás, mandei uma carta às concessionárias falando exatamente isso”, disse Zarlenga. “Esse relacionamento que temos com a rede é o que temos de mais importante no Brasil. Mais importante do que as fábricas, mais importante do que os investimentos, do que os produtos, mais importante do que nós mesmos da GM.”

 

 

No planejamento do recall o papel da rede, explicou o executivo, foi o de, em primeiro momento, fornecer à equipe de pós-vendas na sala de guerra em São Caetano do Sul lista contendo o número do chassi dos veículos vendidos em cada unidade e o contato dos respectivos proprietários: “Entramos em contato com todos aqueles que compraram o veículo, seja por telefone ou e-mail, o que é algo difícil porque teve gente que comprou, ficou doente e foi hospitalizado, gente que viajou. A operação foi complexa e gerou horas extras”.

 

O código – Enquanto a área comercial tratava de criar meios de levar os veículos envolvidos no recall às concessionárias, os engenheiros da GM se debruçavam sobre linhas de código de programação para corrigir a falha que levava os motores ao incêndio. Nessa parte do processo, disse Zarlenga, a operação brasileira estabeleceu contato com a matriz, nos Estados Unidos, e com unidades na Ásia para que a atualização fosse criada:

 

“O apoio foi cem porcento global. A time global de powertrain parou tudo para atender o nosso chamado e realmente foi bom de ver como todos se juntaram para consertar isso. No final de semana [dias 9 e 10 de novembro] eles tinham a solução testada e já no dia 10 soltamos a atualização para as concessionárias, para a unidade de Joinville [SC], e começou o trabalho de trazer os carros às concessionárias. Queríamos fazer isso o mais rápido possível”.

 

A partir daí a operação brasileira da GM tratou de inserir, em um sistema global que conecta suas unidades, informações a respeito de como procedeu no caso Onix Plus. É uma espécie de procedimento padrão para que outras fábricas possam ter uma referência de boas práticas em eventual aparecimento de caso semelhante. O Onix da plataforma GEM é comercializado em quarenta países e, segundo Zarlenga, houve incêndio apenas no modelo produzido no Brasil.

 

O executivo disse, ainda, que o caso não implicou alterações nas linhas de Joinville, onde são produzidos os novos propulsores da família Onix.

 

Sobre o tema, pouco se sabe de que forma se deu o processo de desenvolvimento e teste dos motores – até porque motores são parte fundamental do negócio automóvel e, por isso, informações ficam ocultas atrás do biombo corporativo. O que se sabe de forma oficial é que seus projetos foram resultado de esforço global da companhia – justificando a letra G de Global Emergin Markets, a plataforma sobre a qual o veículo é montado – e que a programação do software que gerencia o motor foi construída for engenheiros brasileiros e outros alocados nos Estados Unidos.

 

Quando se desenvolve um motor, há dois caminhos para seguir quando o assunto é adequá-lo às condições do mercado no qual o veículo que integra será vendido. De acordo com Sidney Oliveira, da AEA, a Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, os caminhos são adaptar, ou calibrar, às condições do país os motores que chegam aqui “semi-prontos” ou desenvolver de forma integral o software e os componentes eletrônicos que representam o cérebro do conjunto mecânico.

 

“Os dois casos são bem comuns e adotados pelas montadoras aqui desde a época da chegada da injeção eletrônica, no fim dos anos 1980. A escolha por um ou outro depende da estratégia da companhia em termos de custo e tempo de lançamento, por exemplo”, Oliveira observou. “De toda forma os motores são submetidos a longos testes para verificar como o conjunto responde, via código de software, às condições em termos de temperatura, terreno e combustível. Nem sempre é possível antever tudo.”

 

Uma vez criada a atualização os holofotes da montadora se voltaram para as concessionárias. A execução do recall, até pelo perfil do reparo, uma modificação digital, foi feita rapidamente a ponto de 80% dos Onix Plus já vendidos terem passado pela rede em dois dias. No ponto de venda operadores plugam o módulo do modelo a um computador por meio de um cabo. A conexão, então, é estabelecida com o sistema global da GM, um ambiente online de onde é feito o download da atualização da programação do motor. O processo demora cerca de uma hora nas lojas, e aos clientes que não puderam esperar a montadora forneceu veículos alugados.

 

“Em alguma medida clientes e parceiros da marca verão isso no futuro: todos avaliarão como a General Motors reagiu a um problema”, notou o presidente Zarlenga “A gente reagiu assim, de forma rápida, porque somos assim e vai fazer diferença para o produto mais para a frente.”

 

Efeito Corsa – A rapidez na execução do recall foi um tema recorrente no discurso do presidente da GM. A companhia não estabelece conexão, mas a postura pode ser interpretada como uma espécie de resposta ao mercado diante de um episódio antigo: a convocação de recall do Chevrolet Corsa, em 2000, motivado por falha apresentada na fixação do cinto de segurança.

 

À época, segundo reportagem veiculada pela edição 136 da revista AutoData, a companhia divulgou a campanha de recall do modelo durante o Salão Internacional do Automóvel de São Paulo daquele ano, cerca de sete meses após ocorrerem os primeiros episódios de acidentes envolvendo o cinto de segurança. Questionava-se, naquele momento, se não teria sido demasiado o tempo que a montadora manteve silêncio sobre o defeito enquanto buscava uma solução.

 

O recall envolveu envolveu 1,3 milhão de unidades Corsa produzidos de 1994 a 1999. O kit instalado nos veículos foi desenvolvido na Alemanha e ficou pronto em outubro daquele ano, quando a companhia iniciou a campanha. A versão oficial para o tempo transcorrido dizia que os fornecedores europeus tiveram de desenvolver chapas de aço de 6 milímetros, algo inexistente no mercado, para atender às especificações.

 

“Vamos partir da base de que os projetos devem ter a menor quantidade de recalls possível. É sempre um desprazer para o cliente ter um recall. Mas no caso de acontecer acho que é preciso fazer algo de forma rápida. É uma boa oportunidade de se mostrar ao cliente que a empresa se importa com ele.”

 

Isto indica que, uma vez resolvida a questão mecânica, era o momento de a companhia trabalhar em outro campo – no caso, o da repercussão no mercado.

 

Foto: Dilvugação