AutoData - O dia que abalou a General Motors
Especial
05/12/2019

O dia que abalou a General Motors

Imagem ilustrativa da notícia: O dia que abalou a General Motors
Foto Jornalista Bruno de Oliveira

Bruno de Oliveira

Gravataí, RS– Era 2 de novembro e Carlos Zarlenga, presidente da General Motors para a América do Sul, estava no Equador envolvido em compromissos ligados à operação regional da montadora. Subitamente na tela do seu celular surge uma notícia com potencial para produzir reflexos terríveis na operação local da companhia. Não era o cancelamento do IncetivAuto, nem dos repasses dos créditos do ICMS: uma unidade do Chevrolet Onix Plus, modelo lançado um mês antes e no qual a montadora aposta todas suas fichas, havia pegado fogo no Maranhão.

 

A partir de quinta-feira, 5, Agência AutoData publica série de reportagens mostrando os bastidores do incidente que levou a GM a convocar 7 mil unidades do seu principal lançamento no mercado sul-americano em termos de volume para recall do sistema de gerenciamento dos motores. Considerando os veículos em pátio, o recall poderia atingir um total de dez mil unidades.

 

Nesta parte da reportagem especial contamos o que foi feito pela montadora até ser identificado o problema, criando, a partir desse ponto zero, campanha de convocação de veículos sem precedentes em sua história local em termos de mobilização de engenheiros no Brasil e no Exterior, concessionários e tempo de resolução da falha: em menos de uma semana, 80% dos veículos envolvidos no recall já haviam sido reparados na rede de concessionários.

 

::Especial recall do Onix Plus::
Parte 1 – O dia que abalou a General Motors
Parte 2 – O mundo GM na sala de guerra em São Caetano
Parte 3 – A mão invisível de Detroit
Parte 4 – Quando o recall deixou de ser um monstro

 

A ligação – “Era um final de semana. Eu estava no Equador e recebi uma comunicação sobre um caso de incêndio de um Onix de um cliente que estava cruzando o Maranhão rumo ao Piauí. E quando você recebe uma coisa assim é interessante porque a primeira coisa que vem à cabeça é: e a segurança do cliente? O que aconteceu? Foi uma falha nossa?”, contou Zarlenga, durante entrevista exclusiva concedida por meio de videoconferência – o executivo, da Argentina, onde participava do lançamento local do Onix e do Onix Plus, e a reportagem em sala na fábrica de Gravataí, RS.

 

A situação se mostrava crítica em vários aspectos ao presidente e aos engenheiros baseados na fábrica de São Caetano do Sul, SP. Afora a marca negativa que poderia ser criada pelo público em um veículo que acabou de chegar ao mercado – e o apetite da concorrência em eventual exploração do fato – havia também o risco comercial, ainda que Zarlenga tenha afirmado que, nos primeiros dias após a deflagração do incêndio, a preocupação da companhia fosse “a segurança do cliente em primeiro lugar”.

 

A nova geração do Onix sucede ao modelo mais vendido no mercado brasileiro há oito anos e é natural a intenção da fabricante de que mantenha a fama, o que já vinha acontecendo tão logo iniciaram as vendas da versão sedã.

 

Segundo dados da Fenabrave, em outubro, o primeiro mês de vendas do Onix Plus, o modelo figurou na sexta posição dentre os automóveis e comerciais leves mais vendidos no mês, com 7 mil 140 unidades licenciadas. O desempenho do sedã somado à sua geração anterior, Chevrolet Prisma, deu à General Motors a dobradinha na liderança de vendas por modelo: foram 4 mil 259 licenciamentos do Prisma.

 

“Fui para o aeroporto e de lá liguei para equipes de engenharia e de segurança do produto e perguntei a eles: vocês viram? O que vamos fazer?”.

 

A partir deste momento o executivo delegou os primeiros movimentos antes de embarcar de volta ao Brasil. O primeiro foi solicitar o envio de uma equipe de engenheiros ao Piauí ainda no fim de semana para verificar in loco o que aconteceu com o veículo incendiado.

 

O que se viu em primeiro momento pelos engenheiros da GM no estado da região Nordeste, no entanto, acrescentava mais dúvidas ao problema do que evidências que pudessem levar a uma resolução. “Você já viu um carro queimado? Viram que o veículo estava muito avariado e, assim, era muito difícil descobrir a causa do incêndio”.

 

Naquele instante, no entanto, uma outra ligação mudaria a sorte da companhia e das equipes de engenheiros no caso.

 

Outros dois – A situação ficava mais grave à medida que, do Piauí, eram emitidas poucas as novidades a respeito da detecção do problema que levou o Onix Plus a pegar fogo. Zarlenga regressou ao País no dia 4 e percebeu que o caso já ganhava repercussão na imprensa. Havia o temor de que as notícias negativas pudessem interferir no apetite do consumidor no ponto de venda.

 

Foi quando, no mesmo dia, duas concessionárias reportaram ligações de consumidores relatando problemas no motor. Ainda que fossem fatos que poderiam não ter relação entre si, a notícia animou os engenheiros da GM, segundo Zarlenga: “Com estes dois carros, os quais pegamos rapidamente, começamos a investigar o que estava acontecendo”.

 

Nessa parte do processo, contou Zarlenga, estabeleceu-se as primeiras comunicações com a matriz, sediada em Detroit, Michigan. Ainda que naquele momento o carro incendiado representava uma incógnita, a subsidiária se viu na necessidade de manter a engenharia global a par dos acontecimentos.

 

Ainda na segunda-feira, 4, a equipe de engenheiros retornou do Norte do País com os resultados das investigações feitas nos dois modelos que apresentaram sinais de problemas em seus motores. No dia seguinte houve reunião, da qual participaram os técnicos, equipes de vendas, pós-vendas e o board da companhia. Foi durante este encontro que pode se ter, pela primeira vez, dimensão do ocorrido:

 

“Nesta reunião disseram: há um problema no gerenciamento do software do motor. Esse problema pode levar a um defeito no powertrain, o qual poderia gerar um incêndio quando combinados uma série de fatores como combustível adulterado, etc. Era uma ótima notícia pois poderíamos, assim, saber como agir”.

 

Engenheiros e diretores da companhia tinham, enfim, o problema identificado. Mas ainda não tinham a solução. E o mercado dava sinais, na rede de concessionários, de que precisava de uma resposta.

 

Foto: Christian Castanho.