AutoData - A mão invisível de Detroit
Especial
09/12/2019

A mão invisível de Detroit

Imagem ilustrativa da notícia: A mão invisível de Detroit
Foto Jornalista  Bruno de Oliveira

Bruno de Oliveira

Gravataí, RS – Friedrich Nietzsche foi um filósofo alemão reconhecido, dentre outras coisas, por enxergar assuntos terrenos sob ótica fria e racional e, a partir daí, criar sua obra. É autor da frase “o que não me mata me torna mais forte”, uma forma que encontrou para ilustrar o caminho natural do ser humano do berço ao túmulo e como crescemos à medida que aprendemos com erros e acertos.

 

O poder da frase, afora o contexto, está em sua atemporalidade e em como é útil em diversas áreas para denotar evolução. Aplicando o argumento do filósofo, a General Motors saiu mais forte do processo crítico no qual esteve metida por causa do recall do Onix Plus, pois conseguiu neutralizar reflexos negativos executando reparo em tempo, considerado por ela, recorde. Mas como no mercado automotivo às vezes nem tudo é o que é, cabe a pergunta: saiu mesmo?

 

Nesta terceira parte da reportagem especial mostramos a repercussão da campanha de recall do modelo lançado em setembro nos três importantes pilares que sustentam a operação regional da companhia: a matriz, em Detroit, Michigan, cujo olhar foi onipresente durante os processos de identificação e resolução da falha do sistema de gerenciamento do motor. As concessionárias, elo da montadora com o cliente. E, por fim, o mercado.

 

::Especial recall do Onix Plus::
Parte 1 – O dia que abalou a General Motors
Parte 2 – O mundo GM na sala de guerra em São Caetano
Parte 3 – A mão invisível de Detroit
Parte 4 – Quando o recall deixou de ser um monstro

 

Motivação – Do momento em que foi informada do caso de incêndio por Carlos Zarlenga, presidente para a América do Sul, até a apresentação da atualização do software por parte dos engenheiros, a postura da matriz da General Motors, segundo o executivo, foi a de motivar as equipes:

 

“O trabalho de operação, de dia a dia, fomos nós que fizemos. Enviamos uma série de informações porque eles queriam estar por dentro para, assim, enviar ajuda. Como foi uma situação muito difícil, tivemos deles um apoio no sentido de motivar a operação no Brasil. Obtivemos muito reconhecimento da coragem da equipe e da velocidade de como foi feito”.

 

A posição de suporte à distância adotada pela matriz, de acordo com Zarlenga, foi fundamental para a resolução do caso. Postura distante daquela, vista no início do ano, quando a Casa de Detroit mostrou estar desempenhando papel de liderança no episódio em que a GM cogitou sair do mercado brasileiro.

 

À época Marry Barra, CEO global, assumiu a linha de frente do assunto: “Não continuaremos a investir para perder dinheiro”, disse a executiva, citando os maiores mercados sul-americanos muito desafiadores e indicando que “partes interessadas” na região trabalham com a empresa para tomar ações necessárias para melhorar o negócio “ou considerar outras opções”.

 

Na ponta – Quando fala sobre a rede de concessionários Carlos Zarlenga sorri. Ainda que tenha saído do bolso da montadora os custos – ainda não contabilizados – dos reparos e dos veículos que tiveram de ser alugados, o ponto de venda é indicado como agente responsável pela execução rápida do reparo digital.

 

No entanto recall é algo indesejável e quando ele surge tão logo um veículo é lançado, como foi o caso do Chevrolet Onix Plus, é na loja que são sentidos os sinais de que algo vai bem ou mal. Nesse caso específico, segundo Jorge Khalil, concessionário Chevrolet de São José dos Campos, SP, e ex-presidente da Abrac, a associação que representa a rede da GM, a demonstração de resolução rápida evitou o afastamento de novos consumidores:

 

“Ninguém fica feliz com recall”, disse Khalil. “Eu estava na concessionária pela manhã quando recebemos uma ligação da montadora informando que haveria recall de um modelo no qual todos, na rede, acreditamos ter potencial de seguir sendo como o mais vendido. A montadora reagiu rápido e focou no cliente, com a rede respondendo à altura em parceria com ela”.

 

Neste momento, contou Khalil, o aparecimento de dúvidas acerca do produto – por parte da rede e dos clientes – é algo inevitável: “Passou pela cabeça um filme de fatos recentes, porque muita coisa foi feita nos últimos anos para que o carro chegasse ao mercado, uma ação que envolveu esforços de muitas partes envolvidas”.

  

Khalil reconheceu que de todos os clientes atendidos em sua concessionária, a Capricho, houve dois casos de pessoas que se sentiram inseguras em manter a compra do Onix Plus por causa do anúncio do recall: “Nesses casos tratamos de uma forma diferente e nenhum dos dois quis reverter a compra. A procura no salão teve bastante questionamento, em momento nenhum a rede negou o problema, o que mostrou transparência e foi muito positivo”.

 

O concessionário disse, ainda, que a General Motors produziu uma série de videoconferências com a rede sugerindo como deveria se comportar diante dos clientes mais receosos: “A equipe de pós-venda da companhia entrou em contato conosco mostrando práticas que poderiam nos auxiliar a lidar com o público na ponta”.

 

Segundo dados divulgados pela Fenabrave, cedidos pelo Renavam, em outubro, o primeiro mês de vendas do Onix Plus, o modelo figurou na sexta posição da lista dos mais vendidos no mês, com 7 mil 140 unidades licenciadas.

 

Na internet – O meio online foi fundamental para que a montadora pudesse reparar o software do motor. Foi também o mundo digital, no caso a internet, que serviu de termômetro para que medisse os reflexos do recall no mercado por meio das notícias que iam sendo veiculadas pela imprensa especializada. A montadora, sem citar meios e métricas, afirma que tão logo saiu o anúncio de convocação do modelo, nos dias que se seguiram a ele, 85% das notícias que citavam o recall do Onix Plus tinham perfil negativo, o que poderia refletir em retração das vendas:

 

“É difícil fazer uma pesquisa online para comprar o carro e não ver as reportagens relativas ao caso”, relata o presidente da GM América do Sul. “Então, essa informação está aí para os clientes. Será ele quem terá de escolher [comprar ou não]”.

 

A execução do recall nas 7 mil unidades vendidas, realizado em quase quatro dias, é considerado por Zarlenga como fator que proporcionou reversão do quadro na imprensa: “Hoje 81% das notícias são positivas basicamente em função de como agimos rápido nesse caso. Há pelo menos o reconhecimento, da imprensa, de que reagimos rápido. Os clientes… bem: não fizemos uma pesquisa com eles ainda, mas o que tenho de informação vinda dos concessionários é que a reação foi positiva diante da maneira como administramos o problema”.

 

Foto: Divulgação.