Esta reportagem, exclusiva e especial, apresenta o que falta para muitas empresas: ações que realmente façam a diferença para as pessoas.
São José dos Pinhais, PR – Executar, diariamente, pequenas ações que resultam em grandes transformações tanto no curto como no longo prazo. Inserir, dar espaço para que talentos sejam desenvolvidos. Apostar em equipes diversas que debatam semanalmente o que pode ser feito para que aquilo não seja a exceção, mas a regra. Trocar ideias com equipes de outros países para reduzir o desperdício e compartilhar a adoção das boas práticas. Investir em tecnologias que facilitem o trabalho diário ao diminuir o retrabalho. Incentivar o ambiente de pesquisa e desenvolvimento a fim de substituir insumos mais caros e raros por peças que ganham vida a partir de equipamentos em 3D.
Basicamente é o que a Renault faz nos 2,5 milhões de m2 do Complexo Industrial Ayrton Senna, em São José dos Pinhais, PR, unidade fabril que celebra 25 anos em novembro.
Além de abrir espaço para que mulheres demonstrem suas capacidades e liderem setores industriais – algo impensado há alguns anos, principalmente em um segmento majoritariamente masculino como o automobilístico – a companhia tem promovido profissionais que começaram na empresa anos atrás em vez de buscar opções no mercado.
Desde 2010 a empresa promove grupos de afinidades dedicados a encontrar soluções para melhorar o dia a dia dentro da fábrica. Tudo começou com o Women at Renault, com o objetivo de ampliar a presença feminina e ter mais mulheres na liderança. Tanto que dele foi gerado o spin-off Women at Industry, dedicado à presença delas na indústria, desde o ano passado.
Em 2015 a Renault foi a primeira montadora da América Latina a aderir aos princípios de empoderamento feminino da ONU. Em 2020, no meio da pandemia, também foi a primeira montadora do Brasil a integrar o fórum de empresas e de direitos LGBTQIA+. E, em 2021, a primeira do Brasil a exercer iniciativa empresarial pela igualdade racial.
No Woman at Renault, por exemplo, são promovidas palestras mensais para inspirar as mulheres, tanto nas áreas administrativa como industrial, e há troca de iniciativas com outros países – este é o único grupo ativo em todo o mundo Renault.
Houve a criação, recentemente, de outros agrupamentos, como o Proud at Renault, que representa pessoas LGBTQIA+ e reúne dois perfis de funcionários: tanto de pessoas que buscam espaço de segurança psicológica como de quem possui amigos e parentes e quer ajudar. E assim vai se formando a rede de apoio.
O Access, grupo de afinidade com pessoas com deficiência, tem unido, recentemente, muitos pais de crianças autistas. Por meio dele são promovidas rodas de conversas com psicólogas e profissionais da área da saúde. Tem-se, portanto, um espaço de acolhimento e para troca de informações e de saneamento de dúvidas.
O All Colors é um agrupamento de raças e etnias que busca garantir a ampliação de sua presença e representatividade, por exemplo, por meio de eventos como corridas em datas importantes, como o Dia da Consciência Negra, para chamar atenção para o tema e para levantar recursos para bancar bolsas de estudo para jovens carentes e excluídos do sistema.
O mais novo é o Generation, grupo que reúne dois extremos, tanto a inclusão dos mais jovens, envolvendo questões do primeiro emprego, como dos mais velhos, que querem seguir trabalhando em sua área de formação.
“Esta turma vem para entender as cabeças dos mais jovens, o melhor jeito de falar com eles. Por exemplo: pessoas da geração Z não param no estágio. Por que isto acontece? Como lidar com isto? Também falam sobre a necessidade de haver cuidado com o planejamento futuro”, ressaltou Fernanda Stocco, 39 anos, quase seis deles na Renault, mãe e chefe da área de comunicação para diversidade e inclusão.
Na outra ponta Stocco destacou que o gerente da planta Curitiba Injeção de Alumínio foi contratado recentemente, do mercado, aos 60 anos de idade.
Como esses grupos funcionam na prática?
Os cinco grupos existentes atualmente buscam trocar informações, criar ambiente de acolhimento, desmistificar as minorias e erradicar o preconceito por falta de informação, fomentar verdadeira fábrica de ideias e buscar junto aos gerentes e diretores meios de adotar ações para melhorar o ambiente e a execução do trabalho – existe um orçamento que garante a sua sobrevivência e é preciso, apenas, encontrar o melhor caminho para buscá-lo e colocar a proposta em prática.
“Hoje temos um Comitê Executivo de Diversidade e Inclusão”, contou Stocco. “A cada dois meses há uma reunião de que participa o presidente da Renault, Ricardo Gondo, além de todos os diretores da companhia. E em cada reunião um grupo de afinidade é convidado para que tenha espaço de fala e apresente as suas dificuldades e os seus anseios.”
Além de terem espaço no Comitê Executivo outro caminho possível é levar a ideia à reunião mensal de gerentes, o que ocorre quando se trata de um tema que envolve toda a empresa.
Mais: cada diretor apadrinha um grupo. Por exemplo: o diretor das fábricas de veículos do complexo paranaense, Vagner Mansan, é padrinho do Access. E, recentemente, ação realizada com seu apoio foi a concessão do curso de libras para toda a liderança. Outro ponto foi a mudança das cores de bonés de colaboradores para chamar atenção a alguma deficiência, como a surdez. O grupo pleiteou identificação diferente e ganhou a cor marrom. Isso porque, muitas vezes, alguma informação era falada para a pessoa de costas e, evidentemente, passava batida.
“São quase duzentas pessoas surdas. É a maior comunidade de PCDs na fábrica”, relatou Mansan. “Tudo agora tem a tradução em libras e sempre há um intérprete disponível na fábrica. Há, inclusive, vendedores que são capacitados para realizar a venda de um veículo para empregados com essa deficiência.”
Exemplo que nasceu deste mesmo grupo foi a adoção de tutores dedicados a cuidar de crianças com deficiência na Associação Colibri, o clube dos funcionários da Renault. Duas vezes por ano empregados podem inscrever seus filhos na colônia de férias de verão e de inverno para deixá-los no local enquanto trabalham. E, na hora do almoço, pais e filhos se encontram.
Giselle Rosário, 40 anos, que trabalha na engenharia de materiais há dez, tem um filho com Síndrome de Down com 4 anos e um bebê de 8 meses, falou sobre a importância do projeto, que começou este ano:
“Vimos a necessidade de ter um tutor para crianças com deficiência. Pais de crianças com autismo, por exemplo, ficavam muito inseguros de deixá-los lá. Agora eles podem participar da iniciativa”.
Pormenores que fazem a diferença no dia a dia da empresa foram propostos pelo grupo Women at Industry: desde o ano passado são distribuídas luvas apropriadas para o tamanho da mão da mulher – antes, por vezes o menor número ainda ficava grande e desajeitado.
Até mesmo quem não usufrui de determinadas ações valoriza essas iniciativas dedicadas ao bem-estar dos colaboradores. Como destacou Daniele Wotkoski, 48 anos, dezenove deles na Renault, onde trabalha na direção industrial Latam e garante apoio para todas as unidades produtivas na América Latina. Ela não é mãe, a não ser de pet, mas comemora o Espaço Mamãe que atende à mulher lactante. Suas colegas, caso necessitem fazer o esgotamento do leite, podem ir ao local apropriado para isto, no meio da fábrica. O espaço fornece tranquilidade para as mães e dispõe de geladeiras para armazenar o leite.
Embora gerado pelo All Collors outra ação que trouxe maior conforto às mulheres foi a confecção de calças ajustadas ao corpo feminino, e não ao masculino, relatou Sérgio Rosa, 38 anos, há onze na Renault, onde é supervisor na estamparia e namora há dois anos um homem.
O Women at Renault geralmente debate a necessidade de equilíbrio da vida pessoal com a profissional e, ao mesmo tempo, o avanço na carreira, contou Maria Eduarda Letti, 31 anos, há dez na empresa, gerente de projetos e mãe de uma criança de 2 anos que teve licença-maternidade estendida de seis meses:
“As palestras buscam contar histórias de quem está conseguindo atingir estes objetivos e os caminhos trilhados para chegar a isto. A história de uma CEO de startup, por exemplo”.
Os temas são discutidos também com mulheres de outros países, guardadas as devidas proporções e respeitando as diferenças culturais.
“Aqui trabalhamos muito a questão do equilíbrio vida profissional e pessoal, mas na França, por exemplo, este não é um ponto. Eles têm isso muito bem estabelecido, não é preciso debater a respeito: deu o horário eles vão para casa. O brasileiro é que é workaholic. Por exemplo: às quartas-feiras à tarde as crianças não têm aula, então as mães saem mais cedo do trabalho. Por lá a legislação trabalhista é diferente”, contextualizou Isabela Precoma, 28 anos, há oito na empresa, que trabalha com parte de novos veículos dentro do supply chain, representa o Generation e que sonha em se casar e ter filhos.
Lílian Santos, 46 anos, há 23 na Renault, coordenadora de projetos de engenharia, complementou esse intercâmbio com a situação na Colômbia: “Trata-se de um país matriarcal onde as mulheres sempre tiveram muita voz. As fábricas têm grande presença de mulheres, que constantemente se qualificam e buscam melhores oportunidades e têm espaço para isso. Apesar de a empresa ser a mesma e trabalharmos nas mesmas funções, as necessidades são distintas. Então vamos aprendendo com as diferenças”. Santos, que atua no Woman at Industry e adotou um bebê, teve o mesmo tempo de licença que Letti.
Evilym Machado, 36 anos, na Renault há catorze, trabalha na direção de relações governamentais e é casada há três anos com uma mulher. Ela destacou que dentro dos grupos, que é um voluntariado, independe o nível de hierarquia “pois todos nós trabalhamos pela mesma causa”. As reuniões são realizadas no horário do expediente.
Como definiu Stocco: “Não sabemos tudo. Mas buscamos ter proximidade com quem pode ajudar. Para acelerar esse caminho”.