São Paulo — Rentabilidade e incertezas fiscais determinaram o fim da produção local da Ford no Brasil, medida anunciada na segunda-feira, 11, e que vinha apresentando indícios da sua execução nos últimos meses. A decisão de deixar de produzir veículos no Brasil foi tomada na sede, em Dearborn, MI, e segue mantra que já fora entoado pela empresa ao anunciar sua saída do negócio de veículos comerciais: a Ford, assim como outras montadoras passaram a fazer, avaliou seus negócios no mundo em busca de obter maiores margens de lucro, algo que não vinha acontecendo na América do Sul, por exemplo.
A partir daí, principalmente após o anúncio do atual CEO da companhia, a companhia concluiu que produzir veículos comerciais era algo pouco rentável e decidiu, assim, fechar a unidade do ABC Paulista. Decidiu, também, que o mercado demandava veículos hatches, e que logo era preciso também abandonar a oferta de modelos sedãs no mundo e, portanto, concentrar os esforços em outros mais rentáveis, como é o caso dos SUVs.
Logo após estes primeiros movimentos a companhia passou a dar pistas de que seus planos para os próximos anos poderiam ser diferentes daqueles traçados e executados nas últimas seis décadas no Brasil. A empresa, por exemplo, entrou em modo silencioso a respeito de novos projetos de veículos para a região ao passo que as concorrentes anunciavam novos aportes. Os Ford Ka e EcoSport estavam às portas de uma eventual atualização e eram poucas as notícias vindas de Camaçari a esse respeito.
Outro capítulo importante dos meses derradeiros da manufatura Ford no Brasil foi a vontade, manifesta, de não negociar mais com as grandes locadoras de veículos do mercado brasileiro: as condições que passaram a figurar na mesa, segundo a empresa, comprometiam a sua rentabilidade ainda que o volume envolvido constituisse parte importante das vendas no País e, por consequência, fosse a demanda fundamental para ocupar capacidade na fábrica.
Os dois episódios, a pandemia que exerceu mais pressão em um fluxo de caixa frágil, e o cenário fiscal que sempre fora apresentado pelas principais vozes da montadora como um grande entrave à lucratividade no Brasil, deram as cores finais ao desfecho anunciado na segunda-feira.
O fechamento das três fábricas envolve a demissão de cerca de 5 mil funcionários. A reportagem da Agência AutoData apurou que os presidentes dos sindicatos dos metalúrgicos locais foram avisados da decisão momentos antes do comunicado à imprensa ser divulgado. Não foram revelados aos representantes dos trabalhadores os pormenores a respeito de desligamentos e indenizações. Assembleias foram agendadas para ocorrer nas portas das fábricas no fim da tarde da segunda-feira.
A Abrafor, que é a associação dos distribuidores Ford, foi procurada e, até o fechamento desta reportagem, não retornou o contato feito a respeito de quais são os seus planos. A Anfavea, por meio de nota, informou que não comentará o tema, e que "trata-se de uma decisão estratégica global de uma das nossas associadas. Respeitamos e lamentamos. Mas isso corrobora o que a entidade vem alertando há mais de um ano sobre a ociosidade local, global e a falta de medidas que reduzam o Custo Brasil".
Também há dúvidas acerca da comunicação com a cadeia de fornecedores, se houve e como será articulada a desmobilização dos estoques de peças OEM. Uma fonte revelou, em off, que a notícia pegou as empresas sistemistas de surpresa e que estão agendadas para a noite de segunda-feira, inclusive, reuniões de executivos com prefeitos das cidades onde estão instaladas as fábricas para tratarem de efetivar o anúncio de encerramento da produção local.
Rui Costa, governador da Bahia, entrou em contato com a Fieb, a Federação das Indústrias do Estado da Bahia, para discutir a formação de grupo de trabalho para avaliar possibilidades alternativas ao fechamento. O governo estadual também entrou em contato com a embaixada da República Popular da China para sondar possíveis investidores com interesse em assumir o negócio na Bahia, procedimento similar ao adotado pelo governo de São Paulo quando a Ford anunciou sua saída de São Bernardo do Campo.
Em seu ano derradeiro de produção local, no caso, 2020, a Ford vendeu 139,2 mil automóveis e comerciais leves, apontam dados do Renavam divulgados pela Fenabrave. O resultado representou fatia de mercado de 7,14%, a quinta maior do mercado interno atrás de General Motors, Volkswagen, FCA e Hyundai.
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