Foi o que apontou o professor de Economia da Energia na UFRJ, Roberto Schaeffer, durante o Fórum da Liberdade da Mobilidade, evento global idealizado pela Stellantis
São Paulo – Está sacramentado que para diversos países do Hemisfério Norte a mobilidade elétrica é a melhor solução para promover a descarbonização e reduzir o ritmo do aquecimento global. Mas, e para a outra metade?
A segunda edição anual do evento online Freedom of Mobility Forum, ou Fórum da Liberdade da Mobilidade, iniciativa da Stellantis mediada pela consultoria Wavestone, buscou debater com especialistas globais de que forma o planeta acomodará as necessidades de mobilidade de 8 bilhões de pessoas.
Na avaliação do professor de Economia da Energia na UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Schaeffer, representante brasileiro na discussão, a eletricidade não é a solução para a mobilidade, ao pontuar que em torno de 800 milhões de pessoas no mundo, atualmente, não possuem acesso à energia elétrica e, que a outras milhares o fornecimento não é estável.
“Como é possível pensar na eletrificação de veículos se essa parcela da população não tem eletricidade para fazer coisas além da mobilidade? Então, com certeza, a mobilidade elétrica não é a solução, pelo menos nos próximos vinte ou trinta anos, quando é preciso zerar as emissões.”
Com a mediação de Cecilia Edwards, sócia da Wavestone, Fórum da Liberdade da Mobilidade contou com o pesquisador brasileiro Roberto Schaeffer.
Para Schaeffer, pesquisador com significativas contribuições ao IPCC, painel intergovernamental sobre mudanças climáticas, é preciso considerar que a pobreza energética e a pobreza no transporte são uma realidade no Sul global, especificamente, o traz à tona o fato de que não existe uma só solução à mobilidade, que em alguns lugares e para algumas pessoas a chave está, inclusive, em veículos não motorizados.
“O transporte público, com certeza, é a melhor saída, e neste caso, pode ou não ser elétrico. E mesmo se usarmos eletricidade para este fim isso não significa que precisamos depender das baterias, porque já temos outras tecnologias elétricas disponíveis.”
Para a América Central, a América do Sul e na África os biocombustíveis são solução mais adequada do que elétricos, defendeu, ao justificar que isso significa que é possível continuar utilizando a motorização existente em combustíveis que também já existem ou que vêm sendo aprimorados e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões.
Debate levantou questão da tendência de escassez de lítio devido ao aumento expressivo de sua exploração. Foto: Divulgação.
Avanços da indústria química reduzirão peso das baterias e demanda por insumos
O CEO da Stellantis, Carlos Tavares, concordou com o pesquisador sobre o fato de não haver resposta única e ressalvou que veículos elétricos podem ser solução para algumas sociedades, porém, precisarão do auxílio de pesquisas da indústria química para que na próxima década seja possível reduzir em pelo menos 50% o peso das baterias desses carros e, consequentemente, diminuir na mesma proporção o consumo de matérias-primas.
“Não faz sentido utilizar uma bateria de 500 kg para percorrer distância de 400 km”, disse, ao apontar que essa mudança virá ao encontro do problema de escassez de lítio. Estudos apontam que de 2022 a 2030 a demanda por baterias de íon-lítio crescerá na casa de 27% ao ano.
A respeito da infraestrutura necessária para suportar a recarga desses veículos Tavares ponderou que requer aporte gigantesco principalmente porque o consumidor não deseja abrir mão de suas conveniências ao aderir a uma nova tecnologia, conforme foi apontado na pesquisa do YouGov:
“Significa que o posto de recarga precisa ser visível e vir até você em vez de você procurar por ele. Quando você vai para a universidade, para o escritório, para o restaurante, para a academia, para o supermercado e para o parque”, listou o CEO da Stellantis, assim como ocorre hoje com postos de combustíveis tradicionais. “Garantir que essas estações de carga sejam visíveis é um dos grandes desafios, assim assegurar que sejam acessíveis, que as sociedades não pagarem enormes quantias por isso.”
Schaeffer complementou que não basta apenas ter estações de recarga, mas que antes é necessário investir em muita capacidade instalada para prover energia elétrica a fim de que esses veículos sejam recarregados.
Existem atualmente 1,3 bilhão de veículos a combustão interna no planeta, e a cada ano são vendidos 85 milhões de unidades ao redor do mundo, citou Tavares, ao ponderar que, ao mesmo tempo, embora ainda não haja saída a toda essa frota existente, os combustíveis verdes podem exercer grande contribuição. “E, até lá, não vamos pedir às pessoas para parar de se movimentar, isso não funcionará socialmente.”
Para Carlos Tavares, CEO da Stellantis, “o posto de recarga precisa ser visível e vir até você em vez de você procurar por ele”.
Para Tavares hidrogênio será solução corporativa, enquanto Schaeffer não a considera até 2050
Nesse contexto tem-se também o caminho para o hidrogênio verde, que igualmente demanda nova infraestrutura para sua produção e requer energia renovável para tal. O CEO da Stellantis destacou que, ainda que se esteja utilizando energia limpa para produzi-lo, e que seja uma opção mais conveniente, uma vez que a recarga é mais rápida, podendo ser feita em três a quatro minutos, tem-se enorme desafio de custos que, segundo ele, pode chegar a duas vezes mais os do elétrico. “Dessa forma eu vejo que essa será uma solução para grandes corporações, mas não para a massa.”
Schaeffer completou que, atualmente, 90% de todo o hidrogênio produzido no mundo não é verde, pois tem origem em combustíveis fósseis. “Então quando falamos de hidrogênio verde temos que ter em mente que precisamos de mais energia para produzi-lo. Desse ponto de vista, portanto, realmente não se trata de uma boa solução.”
O professor da UFRJ ressaltou ainda mais que o hidrogênio é extremamente perigoso, levando ao risco de explosões, a não ser que a tecnologia utilizada seja a de células biocombustíveis, em que se produz o hidrogênio no próprio carro. “Sendo assim não acho que hidrogênio é uma boa solução pelo menos antes de 2050.”
Ao considerar outras formas de mobilidade, como a aviação, ele exemplificou que não se pode voar um avião de Londres, Inglaterra, para Nova Iorque, Estados Unidos, com hidrogênio, porque sua densidade é muito baixa e vai requerer mais espaço na aeronave. Adicionalmente, os insumos necessários para a produção desse combustível equivalem ao consumo de água diário de 1,8 mil cidadãos dos Estados Unidos.