PARA ASSINANTES: Time de engenharia da Stellantis em Betim, MG, ganhou a liderança do desenvolvimento global do projeto C-Cubed e dos carros sobre a plataforma CMP
São Paulo – Os profissionais que projetam os atuais e futuros carros da Citroën estão consumindo mais dos típicos pães de queijo de Minas Gerais do que os também deliciosos croque monsieur da França. Isto porque após a fusão dos grupos PSA e FCA que deu origem à Stellantis, em 2021, a equipe de engenharia de produto da companhia na América do Sul, sediado em Betim, MG, tornou-se o responsável pelo desenvolvimento global de todos os modelos da companhia produzidos sobre a plataforma modular compacta CMP, o que inclui os três Citroën da família C-Cubed lançados desde 2022. O mais recente deles, SUV-cupê Basalt, foi inteiramente desenvolvido no Brasil e evidencia o sotaque mineiro que a marca francesa está ganhando.
O programa C-Cubed integra uma das primeiras sinergias do Grupo Stellantis. A plataforma CMP foi inicialmente desenvolvida pela PSA, em meados dos anos 2010, para os compactos das marcas Peugeot e Citroën, já levando em conta a aplicação de diferentes tipos de propulsão para um mesmo modelo: combustão, híbrida e elétrica.
Coube à Citroën projetar sobre versão da CMP uma família de três produtos mais baratos para mercados emergentes, os novos C3, C3 Aircross e, agora, o Basalt. Inicialmente o projeto foi conduzido pela matriz na França e por sua subsidiária na Índia, local natural de gestação de muitos carros populares. Após a fusão, contudo, saltou aos olhos da Stellantis a enorme capacidade de desenvolver produtos construída anos antes pela FCA em Betim – onde a companhia instalou sua primeira fábrica no Brasil como Fiat, em 1976.
No Tech Center mineiro trabalham atualmente 6 mil profissionais dedicados a diversos projetos de veículos, contando com equipamentos de última geração para ensaios virtuais, laboratórios e facilidades de testes que permitem o desenvolvimento de carros do primeiro traço ao crash-test.
Brasil ganha relevância global
Com capacidade de sobra a engenharia brasileira da Stellantis, acostumada a projetar produtos inovadores e de baixo custo, ganhou a responsabilidade para, a partir de 2021, assumir todo o projeto C-Cubed e a responsabilidade global de todos os produtos sobre a plataforma CMP, incluindo os de outras marcas além da Citroën. Uma equipe de quatrocentos engenheiros e técnicos foi alocada para se dedicar a este trabalho.
“Desde o fim de 2021 a gestão mundial da plataforma CMP foi passada para a América do Sul”, confirma Emanuele Cappellano, presidente da Stellantis na região. “Hoje tudo que é desenvolvido para a família C-Cubed da Citroën sai da engenharia do Brasil. Os carros lançados ou que serão lançados na Índia e região Ásia-Pacífico, por exemplo, são projetados integralmente pela nossa engenharia.”
Além de abrir espaço na matriz para o desenvolvimento de outras plataformas a transferência para o Brasil da gestão da CMP torna-se um importante instrumento do plano de globalização da Citroën, como justificou Thierry Koskas, CEO global da marca, que esteve no Brasil para o lançamento do Basalt, no início de outubro: “Estamos muito focados nos mercados europeus e nossa ambição é crescer para fora deles. Esperamos aumentar nossas vendas mundiais das atuais 700 mil unidades por ano para 1 milhão e obter 30% dos negócios fora da Europa. O Brasil, a Argentina e a América do Sul estão no primeiro pilar deste plano, seguido por Índia e Oriente Médio, especialmente a Turquia”.
O CEO da Citroën acrescentou que os carros C-Cubed desenvolvidos no Brasil são só o primeiro item de uma longa lista de missões globais da equipe de engenharia da Stellantis em Betim: “A equipe brasileira lidera o desenvolvimento de um projeto global da marca, o que demonstra sua qualificação. Estou muito impressionado com as habilidades que eles demonstram de entender não apenas as necessidades da América Latina mas também as globais. Estamos apenas no começo de um novo ciclo de produtos Citroën que será desenvolvido aqui para o mundo todo”.
Koskas disse que o plano de chegar a 1 milhão de veículos Citroën vendidos por ano está lastreado em dois fatores: o primeiro é reforçar a linha de produtos na Europa, onde toda a gama está sendo renovada de 2024 a 2025, e o segundo é lançar modelos mais acessíveis e atraentes para os demais mercados internacionais, dentre os quais o Brasil está no topo da ambição de crescer:
“Queremos estar no centro do mercado brasileiro e atender às necessidades dos clientes aqui. A intenção é oferecer produtos ótimos e emocionantes, mas que também sejam acessíveis, para que as pessoas possam comprar um Citroën. Nossa nova linha de produtos na região atendem a esta demanda”.
Diferenças locais
Toda a linha C-Cubed da Citroën, inclusive o Basalt desenvolvido no Brasil, segundo Koskas também será produzida na Índia para vendas no próprio país e na região Ásia-Pacífico: “Os carros não são exatamente os mesmos porque são adaptados às necessidades locais. As expectativas de clientes no Brasil, na Índia ou na Europa são muito diferentes”.
Dentre as preferências diferentes Koskas cita as cores internas e externas, que o consumidor brasileiro prefere que sejam mais sóbrias e monocromáticas, enquanto os europeus gostam de carros coloridos. Outra grande diferença, ele diz, são as telas nos painéis que espelham smartphones: “Na Europa metade dos compradores do C3 não quer isto, mas já no Brasil nenhum é vendido sem a tela do sistema multimídia”.
Ao ser questionado sobre a percepção de baixa qualidade dos materiais plásticos utilizados na cabine dos atuais Citroën da família C-Cubed, Koskas afirma que “não há intenção de fazer um produto de baixo custo ou coisa parecida pois queremos ter um produto que seja bom nos seus diferentes níveis de acabamento”. Segundo o executivo se esta questão vier à tona nas pesquisas com clientes “é algo que podemos mudar rapidamente, faremos as atualizações necessárias para melhorar”.
Mudança de imagem
Há pouco mais de trinta anos a Citroën foi introduzida no mercado brasileiro como marca importada de carros de categoria superior, uma imagem que nunca teve nem mesmo no seu país de origem, a França, mas que no Brasil foi fácil de conquistar diante da baixa qualidade dos veículos nacionais da época. A empresa seguiu com esta imagem mesmo após o início, em 2001, da produção nacional da minivan Xsara Picasso e do hatch C3 em Porto Real, RJ, complementada por sedãs produzidos na Argentina e poucas importações da França.
Após alguns lançamentos bem sucedidos a Citroën conseguiu por mais de uma década se manter dentre as dez marcas de veículos mais vendidas do País, mas nunca perdeu a pecha de veículo importado de manutenção cara e de alta desvalorização na hora da revenda. Com a escassez de lançamentos combinada com a má fama de pós-venda e revenda no fim da década passada as vendas despencaram.
Com a criação da Stellantis a Citroën foi recolocada na posição de marca acessível, de entrada no mercado. Mas o lançamento dos dois primeiros produtos da linha C-Cubed, o novo hatch C3 e o SUV Aircross, até o momento não fez efeito nas vendas. Este ano, de janeiro a setembro, os emplacamentos de cinco modelos Citroën no Brasil – os dois acima mais o C4 Cactus, produto em fim de ciclo de vida, e os utilitários Jumpy e Jumper – somaram 24,4 mil unidades, colocando a marca na décima-terceira posição do mercado com 1,4% de participação.
“Muitos anos atrás a Citroën tinha a identidade de ser uma marca de carro europeu lançado no Brasil sem nenhuma adaptação. Não é mais assim há muitos anos”, afirma Cappellano. “Agora que temos uma engenharia ainda mais focada em desenvolver produtos para as necessidades dos clientes brasileiros aos poucos construiremos uma marca local. É desta forma que faremos o Brasil se tornar um pilar de crescimento da Citroën fora da Europa. Precisamos criar confiança para a marca crescer.”
Tempo para voltar a crescer
Cappellano reconheceu que a nova proposta levará ainda algum tempo para ser construída: “Hoje a Citroën tem um market share modesto mas agora, com uma linha completa e com um carro como o Basalt, que é 100% projetado para rodar nas nossas rodovias, aos poucos criaremos confiança. Estamos também investindo no processo de pós-venda nas concessionárias e no mercado de reposição. É algo que vai dar resultado em seis meses? Absolutamente não. Mas este plano caminhará aos poucos com a introdução de novos carros e tecnologias, até que a gente consiga também transmitir esses ganhos para o valor de revenda”.
Felipe Daemon foi nomeado há apenas quatro meses vice-presidente responsável pela Citroën América do Sul. Antes ele tinha o mesmo cargo de vice-presidente na Peugeot mas sua origem é da FCA: em 2020 ele era o gerente de marketing de produto responsável pelo lançamento da nova Strada, que recolocou a Fiat na liderança do mercado brasileiro.
Daemon espera agora usar suas experiências anteriores para recolocar a Citroën na trilha do crescimento, começando pelo lançamento do Basalt, o último membro da família C-Cubed: “O processo de renovação da marca é gradual e nós nos adaptaremos aos poucos. Reforçaremos a imagem de oferecer carros bem desenhados, confortáveis e, acima de tudo, com preços acessíveis”.
Daemon avaliou que “os novos produtos e as novidades que estamos preparando” vão dar novo fôlego à Citroën no mercado brasileiro nos próximos anos. Ele observa que ainda há espaços a serem ocupados pela marca, como, por exemplo, o de vendas diretas a empresas e pessoas com deficiência, os PcDs: “São segmentos que ainda exploramos pouco e devemos crescer mais neles”.
Para o executivo “as pessoas ainda estão começando a entender a proposta da marca”, que abriu mão de ser algo elitista para retomar suas origens de “oferecer carros diferenciados com preços acessíveis”. Daemon afirma que este plano está sendo adotado “passo a passo” e o Basalt é o mais recente deles. O carro foi lançado com os preços mais competitivos do segmento dos SUVs compactos, o que mais cresce no País, por isto deverá ter peso significativo nas vendas da Citroën: “Não revelamos nossas projeções mas temos expectativa muito positiva com o Basalt, pois o modelo representa uma oferta diferenciada de design, conforto e acessibilidade”.
Híbridos flex a caminho
Cappellano afirmou que não pretende no momento importar carros elétricos da Citroën que já estão à venda na Europa: “Não estamos lançando elétricos aqui porque não faz sentido, faltam infraestruturas e o custo é muito alto”.
Mas a Citroën é uma das marcas do grupo que deverá receber sistemas eletrificados híbridos flex que foram desenvolvidos no País: “Se me perguntar qual é o mês que lançaremos o Citroën híbrido não vou falar, mas se me perguntar se temos a tecnologia em casa para lançar o híbrido leve da marca obviamente a resposta é sim”.
Segundo o chefe da Stellantis América do Sul “as tecnologias estão todas em casa e a plataforma CMP está 100% preparada para receber sistemas híbridos ou até mesmo o elétrico puro, é uma questão de decisão de qual é o melhor momento de fazer isso em relação ao mercado”.
Assim, com o jeito ítalo-mineiro adotado pela Fiat e agora assimilado pelas demais marcas da Stellantis no Brasil, a Citroën entra em nova fase de desenvolvimento.
Agência AutoData antecipa parte da reportagem especial do Basalt que será publicada na edição 415 da revista AutoData