Foi o ponto levantado pelo professor Gonçalo Pereira, da Unicamp, no Congresso Megatendências de AutoData
São Paulo – Os termos eletrificação e descarbonização são questionados por Gonçalo Pereira, professor e líder do laboratório de genômica e bioenergia da Unicamp, que palestrou no Congresso AutoData Megatendências 2025. Para ele “o problema não é o carbono, o problema é o carbono fóssil. Não é a combustão, mas o combustível. Precisamos desfossilizar o planeta”.
O uso de baterias não é a única alternativa para retirar emissões de CO2 da atmosfera, segundo o professor.
“Uma coisa é a emissão local, em que a bateria acaba não gerando emissões porque não emite ou tem escapamento. Mas a outra coisa é a emissão global, aquela que gera gases do efeito estufa. Quando a bateria descarrega ela é recarregada com usinas que geram eletricidade por meio da combustão.”
É o que faz um Tesla poluir mais na Alemanha do que um carro diesel, ou a enorme frota de carros elétricos na China, mas que são abastecidos por usinas de combustível fóssil, reforça Pereira. O processo de mineração é outro agravante.
Como é extraído com base em matéria orgânica e de culturas que já anularam parte do carbono graças ao processo de fotossíntese o biocombustível tem pegada de carbono 14% menor do que a de um carro elétrico.
Existem contrapontos: enquanto um motor térmico tem apenas 35% de eficiência um elétrico chega a 90%. Ainda assim o professor enxerga a situação por outro viés, ligando o nível de emprego ao uso de outras tecnologias: “O motor normal tem peças e peça é emprego”, lembrando que um propulsor elétrico tem menos peças e, com isso, pode eliminar posições de trabalho sem chegar ao objetivo de diminuir as emissões globais.
“O Brasil precisava de R$ 1,5 trilhão para ter uma rede mínima de suporte aos modelos elétricos. Se você colocar esses ônibus elétricos de São Paulo para rodar todos ao mesmo tempo o bairro simplesmente para.”
Biocombustíveis como geradores de emprego e combate à fome
A já antiga questão de que área que poderia ser usada para plantio no lugar de geração de combustível é relativizada pelo professor. Segundo dados o Brasil produz alimentos para 1,6 bilhão de pessoas, bem além da sua população de 213 milhões. O excedente, portanto, comprova que a geração de biocombustível, tais como etanol, biodiesel ou biometano, não compromete o cultivo ou rebanhos.
Fotos: Patrícia Caggegi.
Nem por isto a insegurança alimentar é zero. De acordo com Gonçalo Pereira o País alcançou 6,6 pontos no Índice Global da Fome. Para resolver a questão a defesa do trabalho é a principal arma: “Se o cara tem emprego ele tem segurança alimentar”.
O especialista ressaltou que, além de combater a fome de maneira direta, a geração de empregos é outra vantagem dos biocombustíveis. Apenas o setor automotivo gera 2 milhões de empregos diretos, respondendo por 3% do PIB. O setor sucroenergético soma outros 800 mil empregos e representa 2% do PIB. Juntos, os setores formam 5% do PIB. Somado a isto o setor de soja e biodiesel vai muito além, empregando 16 milhões de pessoas, o que dá 2,23% de todos os empregos do país. Nada menos que 15% da população economicamente ativa do Brasil. É uma cadeia de valor tipicamente nacional.
A distribuição de plantas de produção pelas regiões Sudeste, Centro-oeste e Nordeste permitiu a pulverização de oportunidades pelo Brasil. Somente as regiões Sul e Norte carecem de mais unidades.
Tecnologia de biometano
Em um momento em que a discussão da eletrificação da frota de ônibus está gerando debates o professor defende uma alternativa: o biometano como matriz para a transição ecológica.
O processo de produção de biometano pode vir de várias fontes de matéria orgânica, exemplos da cana, sisal, agave, aterros sanitários e criadouro de porcos. Tudo é colocado em um biodigestor anaeróbico até gerar biogás. Após um processo químico o biogás gera o biometano de alta pureza, uma alternativa para abastecer veículos, gerar energia para casas ou indústria, dentre muitas aplicações diferentes.
Armazenado em tanques o biometano não requer demorados tempos de paradas, problema que aflige os ônibus elétricos. O professor Pereira contou que o consumo médio é de 40 m3 a 70 m3 de biometano por m². Como a distância percorrida diariamente pelos ônibus é de 350 km são necessários 140m3 a 245 m3 de biometano a cada dia. A cobertura poderia ser de 21% a 60% da frota atual.