Guerra da Rússia com a Ucrânia é o novo ponto de atenção da Anfavea
São Paulo – Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, enxergava céu de brigadeiro no horizonte. O pico da terceira onda da covid-19 no Brasil fora superado, após a variante ômicron complicar um já intrincado cenário de produção e vendas locais de veículos ao provocar mais absenteísmo nas fábricas no início do ano, que precisaram reduzir os ritmos das linhas por falta de pessoal, e redução no fluxo das lojas, com as pessoas isoladas em casa para evitar a propagação da doença. A perspectiva da redução no IPI dos veículos, que veio, deixava o executivo animado com o efeito que poderia gerar nos consumidores.
Mas, como vem acontecendo com a indústria nacional de veículos nos últimos anos, quando saiu de uma crise aguda e no meio da recuperação encontrou uma pandemia, seguida por uma dificuldade global de abastecimento de componentes após aprender a conviver com esta pandemia e que culminou em inflação e necessidade de o governo apertar o consumo para evitar cenário pior, um outro obstáculo apareceu à frente e tapou a visão do presidente da Anfavea: a Rússia atacou a Ucrânia e uma guerra passou de ameaça a realidade.
Novamente os executivos sentaram-se à mesa para traçar novos possíveis cenários. Por mais prematura que ainda possa ser uma análise mais concreta da questão a perspectiva, naturalmente, não é das melhores: “A guerra veio como uma pancada. O cenário pós-pandemia se mostrava positivo, a terceira onda estava sendo superada, as atividades econômicas retornando. Foi desanimador”.
A Anfavea evitou traduzir em números o que pode vir a ser a guerra nos negócios locais. A pressão inflacionária que possivelmente chegará, de fora para dentro, deverá anular os efeitos da redução do IPI nos preços dos carros. A situação de desabastecimento de componentes tende a se agravar, pois as rotas estão sendo modificadas e o frete aéreo, do qual muitas empresas vinham lançando mão para acelerar suas linhas de produção, deverá ser afetado pelas necessárias alterações de rotas. Será preciso buscar fornecedores alternativos para componentes importantes, como o paládio e o gás neônio, dos quais Rússia e Ucrânia são grandes produtores e que são usados pela indústria.
Outro ponto de atenção atinge o agronegócio, motor da economia brasileira na última década: daquela região vêm importantes insumos para a produção rural, como fertilizantes, potássio, ureia, nitrato de amônio, nitrogênio, fósforo. Uma eventual redução na atividade da agricultura tem reflexo direto na produção, especialmente de caminhões e máquinas agrícolas.
Moraes chama a atenção, porém, para os movimentos do Banco Central, diante da necessidade de elevar a taxa Selic para controlar a inflação: “Alguns analistas já falam em ajustar para 13% a 14% e eu me preocupo: o remédio pode se tornar um veneno. Não estamos tendo inflação de demanda. Talvez seja melhor admitir que teremos inflação maior e manter o consumo interno, sem mexer tanto na taxa de juros”.
Os efeitos da taxa básica de juros, que na última reunião subiu para 10,75% ao ano, já são sentidos no mercado, segundo o executivo: em fevereiro deste ano 63% dos veículos vendidos foram pagos à vista. Há um ano este índice foi de 51%: “Quem tem condições já está fugindo do financiamento”.
E não são muitos os que têm condições de comprar carros 0 KM em um País com alto índice de desemprego e no qual o cidadão vê, mês a mês, seu poder de compra diminuir. Moraes admite que a queda nas vendas de janeiro e fevereiro não são reflexo apenas da falta de oferta, pois já há sinais de desaquecimento na demanda.