Hannover, Alemanha – O maior objetivo das empresas fabricantes de pesados no IAA 2024 foi apresentar os caminhões de longa distância elétricos que ganharão as estradas nos próximos meses. No entanto, afora pompa e circunstância para mostrar os novos produtos, há outro tema bastante falado no evento: a preocupação com a infraestrutura de carregamento elétrico em toda a Europa.
Todos os executivos levantaram esta questão e, de forma sutil, há uma campanha para levar o assunto às autoridades na tentativa de sensibilizar os governos a colaborar no desenvolvimento de rede de recarga, pois há grandes possibilidade de a eletrificação não decolar porque falta de estrutura de energia aos caminhões na estradas.
“Precisamos mandar uma mensagem aos políticos de Berlim e de Bruxelas [sede da União Europeia]: a infraestrutura tornou-se um obstáculo à eletrificação.”
Assim Karin Rådström, CEO da Mercedes-Benz, introduziu o tema em seu discurso. Segundo ela os países que formam a União Europeia possuem, hoje, seiscentas estações de abastecimento em suas estradas. “mas é preciso de pelos menos 35 mil postos de carregamento até 2030 para atingirmos as metas de emissões. Serão necessárias quatrocentas novas estações por mês se quisermos chegar lá cumprindo as exigências de redução de CO2”.
Para Jan Helmgreen, vice-presidente de produtos da Volvo, “esta preocupação é compartilhada pelos clientes”, que podem repensar seus negócios com os caminhões pesados elétricos enquanto não houver uma estrutura adequada ao longo das rotas mais utilizadas na Europa.
Os principais executivos da DAF e da Iveco, ao lado dos seus caminhões elétricos, também abordaram, com muito cuidado, em seus discursos no IAA, a importância do desenvolvimento rápido de infraestrutura de carregamento. E todos, sem exceção, também estão preocupados com a qualidade da energia elétrica, pois não adiantará oferecer caminhão que não emite CO2 se a eletricidade é de matriz suja, produzida a partir de combustíveis fósseis. Este é outro assunto que promete mais polêmica muito em breve.
Martin Daum, CEO da Daimler Trucks, que em 1º de outubro passará o cargo para Rådström, talvez tenha sido o mais enfático sobre a necessidade de avançar à economia limpa na prática, e não só no discurso: “O Green Deal [Pacto Europeu que estabelece um roteiro para a transição justa a um futuro sustentável e favorável ao meio ambiente] não é só uma ideia, mas uma série de ações. E isto não está acontecendo”.
De fato a transição para a eletrificação é assunto discutido no IAA pelo menos desde 2018, quando o tema da exposição foi Dirigindo o Amanhã.
Em 2022 os caminhões e vans elétricos para transporte urbano e alguns pesados foram as estrelas da exposição. Durante todos estes anos não se falou sobre a preocupação e tampouco sobre ações concretas para a formação de rede de abastecimento público para caminhões na Europa. Apenas que o futuro era elétrico, que as fabricantes estavam dando a sua contribuição e de que o mercado cuidaria de trazer a oferta tão necessária de energia limpa para todas estas operações.
Mas, agora, percebe-se expressões de preocupação nos executivos e uma tentativa de amenizar o gargalo que pode prejudicar os planos de negociar caminhões mais modernos e [muito mais] caros para seus clientes. Pior: há a possibilidade de a autoridade europeia cumprir a ameaça de multar empresas do setor de transporte por não atingirem as metas exigidas para a retirada das emissões de CO2 de seus negócios a partir de 2030.
Tomando atitudes, mais uma vez
Quase todas as fabricantes têm iniciativas para tentar amenizar a falta de carregadores investindo na instalação, elas mesmas, em algumas rotas europeias, ou em outro tipo de modelo mais customizado às necessidades dos clientes.
A Scania informa que 90% das emissões ocorrem quando seus produtos estão nas estradas. Por isto investirá em carregadores para seus clientes, disse Christian Levin, CEO da Scania. “Instalaremos 40 mil carregadores nos pontos de partida e de chegada dos caminhões de nossos clientes até 2030”.
Mesmo considerando que esta iniciativa seja suficiente para atingir o objetivo de até 2030 converter 50% das vendas para caminhões Scania elétricos Levin pediu a contribuição dos governos para concluir o que chama de transição para a mobilidade limpa:
“Esta transformação está indo devagar. A mensagem dos clientes é clara: precisamos equalizar os preços [dos caminhões elétricos com os a combustão interna] em todos os segmentos e mercados. Isso tem que acontecer rápido e tem a ver com a oferta de infraestrutura e energia verde a preços justos. Nós não podemos fazer isso, mas os políticos e autoridades podem”.
A Volvo é a líder de vendas de veículos elétricos na Europa com seus caminhões urbanos e para transporte em curtas distâncias e, mesmo que seu caminhão para longas distâncias comece a ser entregue para os clientes a partir do segundo semestre de 2025, já se antecipa e investe na instalação de mais de 1,7 mil pontos de recarga no continente nos próximos anos.
Para Andrea Gorbach, chefe de tecnologias para caminhões da Daimler, o tema já deveria ter sido abordado pelas autoridades com antecedência para que as ações estivessem em curso: “Não vemos vontade dos governos em implementar ações. Precisamos de infraestrutura, precisamos de apoio para que os negócios ganhem tração”.
Como ainda há incerteza a Mercedes-Benz também tomará a iniciativa de instalar 1 mil carregadores rápidos para caminhões na região até 2027.
Em conversas informais com executivos brasileiros presentes no IAA 2024, sobre a polêmica que ameaça o crescimento do mercado de caminhões elétricos para transporte em longas distâncias na Europa, o comentário geral é: se é difícil eletrificar as rotas na Europa imagine o desafio no Brasil.