Luciano Rodrigues, da Unica, falou sobre o uso e história do biocombustível no Congresso Megatendências 2025
São Paulo – Surgido nos anos 1970 em plena crise do petróleo o etanol como combustível automotivo é uma cultura antiga que, no entanto, mudou com o tempo. É o que apontou a apresentação do diretor de inteligência setorial da Unica, Luciano Rodrigues, durante o Congresso AutoData Megatendências 2025.
Embora o próprio nome da associação expresse a origem do combustível da cana-de-açúcar Rodrigues afirmou que o etanol tradicional da cana responde, atualmente, por cerca de 80% da produção nacional. A parcela restante tem origem na cultura e extração do milho.
No caso do Brasil a estratégia faz sentido, uma vez que o milho é plantado como segunda colheita, em geral, em terras que foram usadas pouco antes para o plantio e colheita da soja. Se antes o milho era pouco utilizado, sendo praticamente descartado ou usado localmente, agora a alternativa é mais do que viável comercialmente. Dos 35,9 bilhões de litros produzidos anualmente no país, 6,3 bilhões correspondem ao combustível derivado do milho.
“Até seis, sete anos atrás o porcentual do milho era insignificante. Hoje, cerca de um quinto da produção vem de milho de segunda safra.”
O representante da Unica destacou que o clima temperado dos Estados Unidos favorece o plantio do milho, algo bem diferente do clima mais tropical e o solo rico do Brasil, que serve para colheitas de cana, soja e milho de segunda safra.
A cana
É mais alternativa no setor sucroenergético. São 345 usinas e a receita da cadeia de valor chega a US$ 40 bilhões. O nível de empregos diretos e indiretos alcança mais de 2,2 milhões de pessoas. São 70 mil produtores de cana. Quanto às exportações são US$ 19,8 bilhões de receita externa.
Além do mundo automotivo o etanol também gera bioeletricidade. São 21 mil GWh por ano, energia capaz de atender à demanda de 10,8 milhões de residências ao longo de um ano. Segundo a associação 17% da matriz energética nacional é fornecida pelo setor sucroenergético.
O etanol, açúcar e bioeletricidade são os produtos mais conhecidos feitos com base no plantio de cana-de-açúcar e milho, porém o material também serve para o uso de biofertilizantes. Trata-se de um subproduto orgânico promissor e de interesse estratégico para o Brasil, uma vez que importa cerca de 90% dos fertilizantes usados por aqui.
O biogás é outro derivado do processo, podendo ser utilizado para o biometano, um dos combustíveis mais sustentáveis da atualidade, pois fica equiparado ao uso de eletricidade ou até o supera em termos de ciclo completo.
O etanol tem uma pegada de carbono de baixa intensidade, com cerca de 20% do poço à roda, enquanto a gasolina marca 87,4% no mesmo quesito. O dado se refere ao etanol brasileiro. O estadunidense, por sua vez, tem um processo de intensidade de carbono que chega a 50%. A explicação passa pela matriz energética usada no processo. Por aqui todo o ciclo de cultivo, colheita e processamento têm uma pegada de carbono menor, uma vez que as usinas são alimentadas por energia derivada da biomassa. Ou seja: o nosso potencial é bem mais ecológico.
Em 2024 o uso de etanol evitou a emissão de 48,6 milhões de toneladas de CO2. O número sobe para mais de 710 milhões de toneladas de CO2 evitadas desde 2003.
Evolução do etanol
O executivo apresentou a evolução na demanda de etanol ao longo dos anos, reforçando que a introdução dos carros flex, movimento que começou em 2003, foi a grande mola propulsora desde o Proálcool, programa de incentivo criado nos anos 1970 como uma forma de fugir da crise do petróleo.
Fotos: Patrícia Caggegi.
Se antes era concentrada na Região Centro-sul a cultura da cana e milho se expandiu por mais de uma dezena de estados brasileiros. São Paulo ainda é líder na produção mas o Centro-oeste se destaca, dentre outras regiões, incluindo o Nordeste, onde é uma cultura antiga: “Era todo o Interior do Estado de São Paulo e, agora, a gente começa a ter ramais no Mato Grosso e Goiás”.
Com a evolução tecnológica drones passaram a pulverizar apenas as áreas necessárias do cultivo, enquanto variações transgênicas da cana foram introduzidas. O lema de produzir mais com menos foi reforçado.
Embora o foco atual do etanol seja o milho e a cana-de-açúcar o especialista destaca o promissor uso do agave, planta que tem uma variedade dedicada à produção de tequila.
Rodrigues projeta que o etanol ganhará mais competitividade com relação à gasolina até em estados em que o combustível não chega perto do combustível fóssil em participação. O movimento será sustentado pela EC 123/2022, reforma que unifica o ICMS, impedindo que haja a cobrança dupla, no lugar de produção e de venda final.
No mundo automotivo, contudo, poderia haver um aumento de demanda se lançarem novamente carros movidos exclusivamente a etanol. De acordo com Rodrigues não há medo de desabastecimento, algo que aconteceu no passado: “Agora temos a segurança que o preço do etanol não passará de 70% da gasolina, então é possível cobrir uma nova demanda”.
Mas as possibilidades apontam mais para os híbridos flex. Ainda que carros a etanol sejam mais eficientes em consumo e desempenho não há muita viabilidade. E ainda há outro filão que vai além do uso como combustível automotivo e eletricidade: o combustível sustentável de aviação. Por enquanto o seu custo supera em muito o do querosene de aviação mas o uso cresce cada vez mais.